I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 145

144
A ESCRITA EM SI: CORRESPONDÊNCIA E CONSTRUÇÃO DO ROMANCE EM
NAÇÃO CRIOULA, DE JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
Marcio Roberto Pereira (UNESP, Assis)
Gênero dos mais complexos, o romance combina variações infinitas entre a
realidade e a imaginação numa pluralidade de formas, perspectivas, modos de narrar e
interações com outras formas de percepção da realidade, como a filosofia, a história e a
psicologia. Além disso o romance também pode estabelecer relações entre si, como é o
caso da recriação de Fradique Mendes, por José Eduardo Agualusa, no romance Nação
crioula (1997).
Projeto, ora coletivo ora individual de Eça de Queirós
28
, Fradique Mendes é o
herói que ganha autonomia e promove uma inversão da ordem da mimesis: propõe a
imaginação como representação da realidade. Isso se deve à opção da construção do
romance, tanto o de Eça de Queirós, quanto o de Agualusa, em criar a partir da
correspondência do herói. Essa tipologia textual que fica na fronteira entre a realidade e
a ficção, entre o público e o privado e, também, entre ilusão e realidade, ratifica uma
condição de instabilidade, inerente ao romance, que faz uma transposição do
testemunho de uma época e de uma cosmovisão, que se consolida a partir da ideia de
globalidade que se insere na ligação de uma carta a outra dentro desses romances.
Gênero textual em crise, num mundo que não possui mais a paciência e a rotina
de escrever cartas por conta da rapidez das mensagens instantâneas que substituem as
várias páginas de uma carta, o romance é o espaço propício para a reunião de pontos de
vista variados pertinentes ao gênero epistolar. Tipo de texto que nasce com endereço
certo de seu destinatário, além de ser restrito ao mundo particular e ser um projeto de
contraponto em que o interlocutor se torna uma importante base para a mudança das
peças narrativas, a correspondência ganha no romance a ilusão do particular, do real e
da totalidade. Como define Fradique Mendes:
eis aí uma maneira de perpetuar as
ideias de um homem que eu afoitamente aprovo: publicar-lhe a Correspondência! [...]
Além disso, uma Correspondência revela melhor que uma obra a individualidade, o
homem
(QUEIRÓZ, 1997, p. 114).
28
A correspondência de Fradique Mendes
, de Eça de Queiróz, publicado postumamente em
1900.
1...,135,136,137,138,139,140,141,142,143,144 146,147,148,149,150,151,152,153,154,155,...196
Powered by FlippingBook