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marginalizados, o conjunto das estórias do livro aposta na infração da ordem colonial
como possibilidade efetiva de uma transformação qualitativa da sociedade”.
Ainda de acordo com Martin (2005), seria possível estabelecer uma tomada de
consciência que se dá de forma gradual nos personagens da primeira à última estória.
Na primeira estória, “Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos”, por exemplo, nos deparamos
com a representação do angolano “que alia ausência de consciência política e social e
um sentimento derrotista diante da realidade, o que redunda em atitudes de
conformismo e passividade” (MARTIN, 2005, p. 85). Já em “Estória do Ladrão e do
Papagaio”, os acontecimentos que mudam as vidas dos amigos Dosreis, Kam’tuta e
João Miguel apontam para uma narrativa de dimensão didática em que são apresentados
dois “valores fundamentais para uma atuação revolucionária – a compreensão histórica
dos fatos e a solidariedade” (MARTIN, 2005, p. 86). Por fim, “Estória da Galinha e do
Ovo” vem fechar o ciclo dessa tomada de consciência, agora através das figuras de
mulheres e crianças, já que a valorização de conhecimentos e modos de vida
tradicionais pelos monandengues Beto e Xico é capaz de substituir, naquele grupo de
mulheres, o conflito pela união.
No centro da estória está a disputa entre duas vizinhas – ngaZefa e nga Bina –
por um ovo que a galinha pertencente a uma delas botou no quintal da outra. Enquanto
ngaZefa defende sua posse por ser a dona da galinha – chamada Cabíri – nga Bina,
grávida e sozinha, com o marido na prisão, alega ter alimentado Cabíri por todo este
tempo nos fundos de seu quintal e também reivindica o alimento para si. O conflito é
logo mediado por vavó Bebeca, que pede às mulheres um recontar de suas versões do
fato. Conforme são expostos os dois pontos de vista, surgem alguns personagens que
buscam tirar proveito da situação reivindicando também seus direitos ao ovo. É o caso
de Sô Zé, o branco da quitanda, declarando às vizinhas que já que o milho de que se
alimenta a galinha provém de seu estabelecimento, o ovo sem dúvida também lhe
pertenceria. É também o caso do seminarista Azulinho, que tem contestada pela sábia
vavó Bebeca a atitude de levar o ovo consigo para supostamente ouvir de uma
autoridade eclesiástica o veredicto: “Com a sua sapiência não me intrujas, mesmo que
nem sei ler nem escrever, não faz mal” (VIEIRA, 1990, p. 110). Sô Lemos, proprietário
de várias cubatas, também intenta alegar seus direitos com base em conhecimentos
jurídicos:
- Diz a senhora que a galinha é sua?
- Sim, sô Lemos.