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identificados também na sociedade do indivíduo que as ouvem, e simbólico, o que
permite a criação de um distanciamento que desembocará em uma reflexão – como de
fato ocorre com os netos de vavô ao chegarem ao fim da estória.
O surgimento do romance moderno e a consolidação da burguesia e da
imprensa seriam, para Walter Benjamin (19993), os primeiros indícios da ‘morte’ da
narrativa, já que o romance, tendo o indivíduo isolado como base, não procede nem se
alimenta da tradição oral e a preocupação com a plausibilidade das informações
característica da imprensa leva o mítico ou o miraculoso a serem rejeitados em
detrimento de um saber científico. Ressalta-se aqui que na última sentença da estória –
“Quem sabe mesmo se aquele mona que lhe salvaram não era vavô?” (VIEIRA, 1976,
p. 52) – a expressão “quem sabe” formada por um pronome interrogativo e pela
conjugação da terceira pessoa do singular do verbo saber, aponta justamente para a
indeterminação acerca da veracidade dos fatos contados. Quando Benjamin (1993)
afirma que a arte de narrar estaria, portanto, em vias de extinção, é por que, sendo
extinta a dimensão utilitária da narrativa que se dá graças à sabedoria do narrador,
aquele “que sabe dar conselhos” (BENJAMIN, 1993, p. 200), perde-se a natureza da
verdadeira narrativa. Nesse sentido, a figura de
griot
assumida por vavô busca também
devolver a narrativa à “esfera do discurso vivo” (BENJAMIN, 1993, p. 201).
5. Considerações finais
Por meio das influentes figuras infantis de Beto e Xico, Zeca e Zito e vavô e
seus netos, adentramos em um universo infantil capaz de recriar e projetar uma nova
Angola dentro das obras que nos serviram de objeto de estudo. Contrariando a origem
latina da palavra infância –
infantia
, cujo significado é a incapacidade de falar – o que
vemos nessas três narrativas são personagens crianças que são verdadeiros depositários
de anseios de novidade e liberdade, capazes de fazer uso ativo e criativo da linguagem a
fim de reinventar e resignificar seus mundos.
Percorrendo o caminho da tomada de consciência até o imperativo da
necessidade da luta, tais personagens também nos levam a refletir não apenas sobre o
projeto estético-ideológico de Luandino, presente em sua obra como um todo, mas
também sobre questões de identidade e imaginação nacional. Por entre as rupturas e
tensões de um mundo cindido entre colonizador e colonizado, essas crianças surgem
como epítome do desejo de um futuro melhor, em que identidades possam ser formadas