149
ilustres, pergaminhos. Resumindo: um nome que ressoe a nobreza e a cultura” (
V.P.
29
,
2007, p.25). Um novo passado, tal é o objetivo destes que agora detêm o poder.
A farsa, o “comércio de vidas imaginadas”
30
, ganha especial fôlego graças a esta
nova classe que assume o lugar dos colonizadores, mas que continua a manter a mesma
configuração política e social que vigorava na época colonial.
A burguesia dos países subdesenvolvidos é uma burguesia em espírito.
Não são nem seu poder econômico, nem o dinamismo de seus
quadros, nem a envergadura de suas concepções que lhe asseguram
sua qualidade de burguesia. (FANON, 1979, p.147).
Esta “burguesia em espírito”, como descreve o martiniquense Frantz Fanon, é o
que encontramos nestes consumidores de falsas memórias. O que temos são colonizados
invejosos que desejam a todo custo estar no mesmo patamar daqueles que antes os
exploravam. Seguindo Fanon,
O olhar que o colonizado lança para a cidade do colono é um olhar de
luxúria, um olhar de inveja. Sonhos de posse. Todas as modalidades
de posse: sentar-se à mesa do colono, deitar-se no leito do colono,
com a mulher deste, se possível. O colonizado é um invejoso. [...] não
há um colonizado que não sonhe pelo menos uma vez por dia em se
instalar no lugar do colono. (FANON, 1979, p.29)
Este antigo passado que parece ficar a todo tempo batendo à porta, mas que
necessita ser destruído, é visível em Edmundo Barata dos Reis. Esta personagem
encontra-se à margem da sociedade. Representante de um fervoroso socialismo, não
nega em nenhum momento a sua história: fora membro do MPLA (Movimento Popular
de Libertação de Angola) de viés marxista e apoiado pela URSS.
Este socialista é um ex-agente do Ministério da Segurança do Estado, ou como
ele prefere: um “ex-gente”, “expoente dos excluídos, excremento existencial,
excrescência exígua e explosiva. Em duas palavras: vadio profissional” (
V.P.
, 2007,
p.169). Edmundo Barata dos Reis era uma presença incômoda – como nos descreve o
narrador do romance. Num tempo em que “a versão oficial passou a negar o passado
socialista do país” (
V.P.
, 2007, p.171), ele afirmava, sem vergonha, o que agora muitos
evitavam enaltecer: o passado comunista.
29
V.P.
=
O vendedor de passados
.
30
SILVA, Renata Flavia da, 2008, p.45.