157
Mais do que reflexões no que tange ao universo da literatura – que aproxima este
romance a algumas características da chamada “metaficção historiográfica” (noção
teorizada por Linda Hutcheon, na qual, sinteticamente, se literaliza a história, com o
intuito de repensar o passado e questionar o presente) – não podemos nos esquecer do
pós-colonialismo.
Ora, sendo a descolonização um processo (e não um estado), essa
reconstituição identitária não tem que pressupor uma ruptura com os
discursos hegemônicos (da ‘tradição literária africana’ e do cânone
ocidental), mas um agenciamento de estratégias discursivas que visem
a contribuir cumulativamente para esse novo código. (MATA, 2003,
p.55)
O pós-colonial é mais do que uma substituição de papéis – que passa do opressor
para o oprimido. O pós-colonial não deve ser confundido com a Independência (um
marco histórico), ele é um conceito – como enfatiza Inocência Mata –
trans-histórico
,
trata-se de um processo que se inicia antes (no caso de Angola) de 1975. Mais do que
uma troca de lugares, temos uma tensão interna nestes países em busca do poder, de
quem será o detentor deste.
Depois desta breve análise – na qual tentamos abordar os principais pontos do
romance – podemos observar como a própria reorganização do passado é também uma
reorganização do poder (SILVA, 2008, p.31). Nesta obra fragmentada – composta por
32 capítulos curtos – que segue o curso das lembranças de uma osga (que narra na 1ª
pessoa do singular), encontramos uma reavaliação crítica deste firmado passado,
deslegitimando, assim, as colunas que alicerçavam a conhecida e difundida História.
Num tempo em que a globalização e a pós-modernidade influenciam
diretamente várias instâncias da sociedade, temos Angola buscando construir sua
identidade; tendo que aceitar a heterogeneidade, e as diferenças. No próprio título do
romance já temos o jogo entre globalização e História: o passado pode ser vendido; até
mesmo a História se torna mercadoria.
Através da reconstrução do passado, e da mudança de olhar – a perspectiva dos
vencidos, até então silenciada, ganha espaço –, relativiza-se a verdade da versão oficial
da História, e nos mostra que “a memória coletiva é não somente uma conquista, é
também um instrumento e um objeto de poder” (LE GOFF
apud
SILVA, 2008, p.48).