I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 155

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a narra. Como diria Schwartz (
apud
SILVA, 2008, p.33), a história é feita não por quem
faz, mas por quem a conta; é justamente o que acontece com os colonizadores,
detentores da escrita, que documentam e expandem a sua versão da “verdadeira
história”, ficando assim os colonizados relegados ao silêncio; como Manuel Rui (1985)
destaca com relação ao poderio dos colonos, que tinham uma importante arma: “mais
tarde viria a constatar que detinhas mais outra arma poderosa além do canhão: a
escrita”.
Neste romance, as aparências enganam, os sonhos não revelam o
futuro e, sim, o passado; não apresentam profecias, mas recordações;
não levam ao desconhecido e, sim, ao que foi suprimido. Cacos de
espelhos que podem revelar ou ferir. (SILVA, 2008, p.31)
E aqui acrescentamos que além da imagem dos espelhos que contribui para
refletirmos sobre a tessitura dos mundos da realidade e da ficção, temos também neste
romance a imagem do rio, como nos apresenta Kellen Dias de Barros. Agualusa traz
justamente este sujeito liquefeito, fluido, que se des-re-territorializa
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num tempo
globalizado, expandindo fronteiras e reavaliando questões identitárias.
Há neste romance mais um fator que desestabiliza. O narrador. Ele nos narra
tudo o que seus olhos podem ver, limitando-se ao mundo da casa de Félix Ventura, que,
como ele afirma “costura a realidade com a ficção, habilmente, minuciosamente, de
forma a respeitar datas e factos históricos” (
V.P.
, 2007, p.151).
Este artifício é uma maneira de contar o passado sem aprisioná-lo a visões
reducionistas e excludentes, ampliando certas noções acerca de mentiras que se passam
por verdades; “uma vez que não há possibilidade de uma verdade absoluta, o diálogo
entre ficção e história torna-se primordial para a reflexão sobre o passado” (SALGADO,
2010, p.181).
Antes de falarmos especificamente do narrador, foquemos no espaço que ele
ocupa. A casa de Félix. Ela tem um capítulo especial. A casa é personificada (“vive”,
“respira”
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). Todos os principais personagens se reúnem na casa do vendedor de
passados. A ação é ali ambientada: do nascimento de José Buchmann à morte de
Edmundo Barata dos Reis. Interessantemente, a coluna de sustentação da casa é a
empregada, que não por acaso se chama Velha Esperança. Como nos diz o narrador, “a
Velha Esperança está convencida de que não morrerá nunca” (
V.P.
, 2007, p.19); ela nos
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MONTALVÃO, Stella, 2011.
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O vendedor de passados
, 2007, p.17.
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