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devido a todos esses fatores, construído com os tijolos do preconceito e com o cimento
da desumanidade entre os iguais:
Empilhados nos porões, recebendo parcas rações de comida e de água,
era natural que o morticínio fosse acentuado. Perdia-se,
invariavelmente, 10% da carga, na melhor das hipóteses, e casos
houve em que morreu a metade dos indivíduos transportados.
Amontoados no porão, quando o navio jogava, a massa de corpos
negros agitava-se como um formigueiro, para beber um pouco desse
ar lúgubre que se escoava pela estilha gradeada de ferro (MACEDO
apud
MARTINS, 1974, p. 29).
O Brasil que hoje conhecemos e, como seres partícipes, tentamos compreender,
foi o palco da mais sangrenta história de homens que não conseguiram conviver com a
pigmentação de uma cor: a negra. As dificuldades relacionais que existiam entre os
homens brancos e os homens negros e a ausência de alteridade daqueles que detinham o
poder, serviram como desculpa para justificar a prepotência de uma minoria em
detrimento da vida menos privilegiada e miserável de outros tantos. Nesse sentido, o
intelectual Milton Santos (1992, p. 42) costumava afirmar que: “a discussão sobre a
história do negro no Brasil é prisioneira de uma ética enviesada, quando não, é jogada
para um amanhã que nunca chega”.
São essas inquietações que motivaram o desenrolar desse trabalho que, de
forma humilde, tenta contribuir para um entendimento plausível desses fatos. Não se
trata, contudo, de identificar o herói ou o bandido presente nos infindáveis referenciais
sobre a escravidão no Brasil, visto que tais informações estão disponíveis para todos
que se propõem a estudar a história do nosso país. Queremos sim, buscar uma reflexão
sobre os motivos que levaram os grandes senhores de engenho a agirem de forma
irracional a ponto de construir um verdadeiro muro de invisibilidade humana entre
brancos e negros. Entendemos também que, digerir as atrocidades cometidas contra os
negros no período do Brasil-Colônia, não irá modificar a história da qual somos também
atores, mas servirá para que tenhamos um olhar mais atento nas relações raciais
contemporâneas que, de forma insistente, tentam perpetuar as errôneas metodologias
dos desiguais. Nesse contexto e, diante do cenário deprimente que foi a escravidão, é
necessário que tenhamos em mente o que de fato representou o papel do colonizador e
do colonizado. Nas palavras de Louro (1998, p. 46-47):
O silenciamento em torno das ‘novas’ identidades (...) constitui-se em
uma forma de representá-la na medida em que as marginaliza e as
deslegitima. O silêncio e o segredo significam uma tomada de posição