I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 170

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predominância do mais forte, aliado a uma democracia conotativa, serviria para um
novo conceito de escravidão moderna. Segundo Eduardo Piza Duarte (2009, p. 153):
“Não deixa de ser instigante pensar que num país com práticas sociais e estatais tão
autoritárias a democracia tenha que ser definida pelo adjetivo racial”.
O pensamento de Duarte (2009) serviu para fortalecer o significado do período
pós-abolição que, embora tenha chegado como ato de alforria, serviu mais para o deleite
literário de muitos sonhadores do que, propriamente, como fator de eliminação de
conflitos e tensões raciais. Em grande parte, acirraram-se ainda mais os processos de
despojados e indigentes negros que se amontoavam em busca de um simples espaço de
sobrevivência. Esses fatos, aliados a tantos outros, passou a representar a verdadeira
estatística de constrangimento de uma “raça” à procura do seu lugar e do direito a
exercer sua cidadania. A realidade social estava posta: de um lado, o brado da abolição
dos escravos em nosso país e, de outro, os conflitos constantes, próprios daqueles que
não se permitiam conviver com a mudança. Essa falsa crença de uma liberdade possível
foi a causa das mais infinitas formas de destratar o negro e seus descendentes e o fator
crucial da naturalização da diferença pela cor. Segundo Oliveira (2008):
(...) esse racismo autoriza e naturaliza o tratamento diferencial e
desigual de um grupo sobre outro. Reafirma-se, no dia a dia, pela
linguagem comum, se mantém e se alimenta pela tradição e pela
cultura; influencia a vida, o funcionamento das instituições, das
organizações e também das relações entre as pessoas (2008, p. 13).
O cenário pós-abolição serviu para o fortalecimento das desigualdades entre
brancos e negros e, acima de tudo, para a construção da ilha da indiferença e
menosprezo entre os homens. Como bem sinalizado por Pataki Levine:
Atitudes racistas são quase sempre apoiadas por crenças enormemente
erradas a respeito dos Outros como um grupo. Acima de tudo, a
hostilidade é crueldade baseada em algo que os Outros não têm o
poder de mudar. Na medida em que os Outros são levados a crer que
isso deve ter um fundamento, o que tragicamente, acontece às vezes,
isso vai direto ao coração de sua identidade: eles, e todos de que
vieram, são irremediavelmente inferiores (2005, p. 44).
A condição de inferioridade imposta aos negros no Brasil, desde sua chegada,
nos fétidos navios negreiros, foi resultante dessa ideologia mercantilista que, ao
priorizar o material, anulava a identidade e o valor do outro. Nessa engrenagem
economicamente arquitetada, o outro passou a representar apenas o produto descartável,
o objeto diante do qual a distância seria o recomendavelmente correto. Nesse
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