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entre o poeta cabo-verdiano Arménio Vieira e o poeta brasileiro, nascido em Recife no
ano de 1920, João Cabral de Melo Neto.
3. Formas de dialogismo entre as obras de Arménio Vieira e João Cabral de Melo Neto
As obras poéticas dos referidos autores são delineadas por princípios inúmeros,
características diversas que são, em maior ou menor grau, reflexos de suas experiências:
1- da excelente formação cultural, ampla e vasta, que ambos tiveram; 2- dos lugares
onde viveram e escreveram; 3- da realidade social desses lugares; 4- de como, a partir
de todos esses elementos, passaram a enxergar ambientes, povos e realidades sociais
problemáticas. Diante de tal quadro, é importante ressaltar que Arménio Vieira e João
Cabral de Melo Neto não escreveram, necessariamente, sobre si mesmos; ao contrário, o
que primordialmente se observa na poesia desses dois autores é um constante retratar do
mundo e da concepção do “fazer poético”. As relações entre suas obras ultrapassam
limites temáticos e chegam a outros níveis dialógicos.
O dialogismo é o modo de funcionamento real da linguagem, é princípio
constitutivo do enunciado. Portanto, todo enunciado irá se formar a partir de outros,
sempre há mais de uma voz. Em estudo intitulado “Interdiscursividade e
Intertextualidade” (2005) e em seu livro
Introdução ao pensamento de Bakhtin
, José
Luiz Fiorin discute os conceitos bakhtinianos e demonstra algumas formas de
ocorrência de dialogismo entre dois textos ou discursos. A primeira é a premissa de que
o dialogismo não se exibe no discurso, de modo que o simples fato de dois textos
compartilharem um tema (mesmo um desconhecendo o outro) é suficiente para
caracterizá-los como textos relacionados dialogicamente. Nesse sentido, observemos o
que afirma o próprio Bakhtin:
Dois enunciados, separados um do outro no espaço e no tempo e que
nada sabem um do outro, revelam-se em relação dialógica mediante
uma confrontação do sentido, desde que haja alguma convergência do
sentido (ainda que seja algo insignificante em comum no tema, no
ponto de vista, etc). (BAKHTIN, 2002, p. 354 - negritos nossos).
A segunda forma de ocorrência de dialogismo é quando ele se mostra no texto
(composicional), de tal modo que o discurso do outro é nitidamente separável ou
abertamente citado. Como elucida Bakthin (2002, p. 320), “a mais leve alusão ao