I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 187

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“mascarar” a linguagem, a sua experiência com a língua e sua mundivivência o
reencaminham à esfera do problema local, como tentaremos demonstrar mais adiante.
Eterna paixão
é um romance composto de seis capítulos irregulares. O segundo
e o terceiro capítulos são mais longos. Isso, de alguma maneira, faz com que a cadência
da leitura se perca um pouco, tendo o leitor que se reajustar ao esquema da obra no
percurso da leitura, o que exige um pouco mais de esforço por parte do leitor. Quando
se mantém uma regularidade, a leitura flui com mais tranquilidade, uma vez que a
linguagem adotada, como já comentamos acima, é propositadamente de fácil
entendimento. Nos capítulos iniciais, notamos um cuidado maior na condução da
narrativa. Sila procura passar toda a atmosfera das inquietações do espírito de Daniel,
personagem principal do livro, através da ambientação contrastante que recria:
Em perfeita harmonia com as cores da parede, via-se um jogo de
móveis de madeira branca, importado da Europa, que conferia àquela
zona da sala um aspecto que, de algum modo, contrastava com os
ornamentos do lado oposto. O que era certo é que, quem quer que
entrasse naquela sala, ganhava a impressão que os donos daquela casa
não eram dos que contavam com o salário mensal para viver. (SILA,
2002, p. 188).
A casa de Daniel reflete o
status quo
da burguesia pós-colonial, mas, como um
intelectual afroamericano, o personagem se sente, nesse ambiente, profundamente
deslocado. Ao contrário, Ruth, sua esposa, cristaliza o novo poder africano, já
historicamente consolidado.
Ruth, além de mulher atraente e inteligente, representa a cultura da nova
burguesia detentora do poder pós-colonial. Sua residência, como vimos atrás, está num
bairro artificialmente criado para acomodar essa nova classe social, antes um espaço
exclusivo dos colonizadores. Contudo, essa classe não é absolutamente recente, ela
apenas ganha corpo com o processo de descolonização. Antes, na colonização, figurava
como “assimilados” e régulos mais cordiais (cf. PELISSIER, 1987). Sob o apanágio
retórico da descendência dos “combatentes vencedores” na luta pela libertação,
intermedeia, agora, o fluxo econômico entre o país e os mercados hegemônicos.
Algumas famílias adquirem, inclusive, ativos econômicos e, sob o respaldo das grandes
economias, se perpetuam no poder por décadas. Usam a violência, muitas vezes, para
garantir o mínimo de estabilidade política necessária aos interesses econômicos, mas,
devido à fragilidade do sistema, é comum também a ocorrência de turbulências políticas
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