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e sociais muitas vezes financiadas e orientadas por grupos estrangeiros que exigem
reformulações ou novas bases econômicas.
Ruth, em face de seu deslocamento e do agenciamento de sua posição dentro do
governo instituído, está numa clivagem ambígua do discurso pós-colonial. Ela se sente
superior em relação aos indivíduos de seu próprio país por ter tido a oportunidade de
estudar fora, tendo, com isso, não só adquirido uma formação superior, mas, também, a
experiência de conviver e absorver valores diferentes de sua cultura. Mas, por outro
lado, ela se sente inferior aos indivíduos que deseja, contraditoriamente, imitar,
chegando, talvez, a odiá-los e a querer substituí-los. O complexo de inferioridade da
personagem só é possível numa sociedade em que afirma a superioridade de uma raça
sobre outra. O dilema psicológico de Ruth é, como assinalou Franz Fanon (2008, p. 95)
ao analisar o contexto pós-colonial, “branquear ou desaparecer”.
Continuando na esteira de Fanon (2008, p. 33), essa cissiparidade identitária
encontrada na personagem é resultado direto do contexto colonial. Ruth, vivenciando a
condição de mulher negra de elite de um país (pós)colonial se define por duas
dimensões: uma voltada ao branco e outra para negro. Com uma identidade partida,
Ruth menospreza, assim, seus iguais, como a empregada Mbubi, por exemplo, e entende
que, para conquistar definitivamente o padrão de vida aspirado, é preciso garantir
vantagens abusivas em transações comerciais entre a classe a que representa e o capital
estrangeiro. Em outras palavras, Ruth tem formativamente sua identidade voltada para
fora, “em direção a um Outro” externo, como postularia Fanon (in SOUSA, 2004, p.
120). Em sujeitos colonizados ou colonizadores, reside, na base constitutiva da
identidade, um desejo em ocupar o lugar do Outro, de modo que essa identidade é
inicialmente construída com base nessa “relação” conflituosa com um sujeito externo.
Entretanto, na narrativa de Sila, a participação de Ruth é minimizada, embora bastante
significativa.
Como temos percebido, o autor tem focalizado com mais paciência e
profundidade personagens desfavorecidos e desajustados dentro da lógica do sistema
social pós-colonial. Esses personagens, na pena de Sila, ganham misericórdia e
compaixão. Sila escreve para e sobre os de baixo. Mukedidi, por exemplo, que aparece
depois da metade do livro é um caso que merece atenção. Didi, como é mais conhecido,
foi um entre centenas de estudantes africanos que deixou sua terra natal para fazer um
curso superior. Essa emigração controlada visava (e ainda visa) melhorar os quadros
profissionais existentes das instituições do país. Como também costuma ocorrer, muitos