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que procura uma terra ancestral sem norte e sem controle, na tentativa heroica de mudar
o curso dos acontecimentos de seu mundo interior— na esperança de afirmar um
sentido existencial para si mais pleno— e do contexto aprisionador que o cerca. A busca
de Dan, que vivenciou dificuldades sobretudo por causa de sua etnia, aponta para uma
solução para além do “lugar” dado a ele na América e na África, na medida em que ele
conscientemente se sente motivado e capaz de traçar um plano de ação para superar sua
condição de “inferiorizado” ou “subaproveitado”. Uma imagem utópica ou, talvez,
neomessiânica, se levanta na narrativa por meio do entrelaçamento do enredo e da
psicologia do personagem.
A vivência de Sila o tornou um homem profundamente “híbrido”. Concebemos
o hibridismo a partir da definição de Homi Bhabha (apud. SOUSA, p.113):
A hibridização não é algo que apenas existe por aí, não é algo a ser
encontrado num objeto ou em alguma identidade mítica ‘híbrida’–
trata-se de um modo de conhecimento, um processo para entender ou
perceber o movimento de trânsito ou de transição ambíguo e tenso que
necessariamente acompanha qualquer tipo de transformação social
sem a promessa de clausura celebratória, sem a transcendência das
condições complexas e conflitantes que acompanham o ato de
tradução cultural.
Reside no discurso Sila, assim como na expressão literária de seu romance, uma
equação também híbrida. Nessa equação, a forma literária revela a condição “crioula”
(cf. GLISSANT, 2005) de pensamento e de formação do autor. A condução da narrativa
apresenta, assim, a investidura de um escritor que deseja fundar agonisticamente uma
tradição romanesca em Guiné-Bissau, mas, nessa iniciativa, nem todos os quadros
narrativos estão bem concatenados, o que, na forma, denuncia o caráter inacabado da
reflexão acerca dos problemas levantados na obra. Nesse sentido, Sila nos remete às
primeiras iniciativas de romance no Brasil quando Teixeira e Sousa (1812-1861),
brasileiro de pai branco português e mãe negra, publica, em 1843,
O filho do pescador
.
Trata-se de uma obra emblemática para a literatura brasileira, refletindo bem os
costumes e as aspirações de uma sociedade brasileira que buscava empiricamente
adaptar as formas literárias europeias ao gosto social-burguês do contexto nacional.
Paralelamente, bem antes do processo de independência política do país, a literatura
brasileira foi também um fermento catalisador de novas ideologias libertárias. Apenas
para ficar nos nomes e momentos mais expressivos, Gregório de Matos, no século XVI,
Claudio Manoel da Costa e Tomás Antonio Gonzaga– árcades mineiros de meados do