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que conheceu e interpretou,
in loco
, as interdições do futuro de sua nação no calor da
hora. Essas interdições podem, secundariamente, servir de metáfora acerca das nações
africanas pós-colonizadas, mas o corpo da mensagem principal que carrega está
invariavelmente colado à história da vida mental e social dos bissau-guineenses.
O caso do embaixador ilustra como Sila, através da ficção, conta a história
política recente de Guiné-Bissau:
Do que realmente quis saber foi, primeiro que tudo, se o que ouvira
murmurar nos corredores do Ministério era verdade, se o embaixador
Kinsumah estava realmente preso juntamente com o grupo de
militares civis que alguns dias antes tinham sido acusados de preparar
um golpe de estado para derrubar o Presidente da República. (SILA,
2002, p. 238).
E mais adiante:
Dan /.../ aprendera que em África aquela era uma acusação que tinha
sempre um
background
falso, era quase sempre o pretexto para
eliminar os dissidentes, aqueles que cometiam o erro fatal de querer
dançar a um ritmo que não o imposto de cima. (SILA, 2002, p. 238).
O narrador,
alter-ego
do autor, deixa claro e em bom tom, a prática do poder
local na criação de factóides para perseguir e capturar grupos que, ideologicamente
diversos, queriam uma reorientação na condução política do país. Esse episódio guarda
similaridades com o conflito político de outubro de 1985, que culminaria, em 1986, no
fuzilamento de importantes líderes da independência de Guiné-Bissau. (AUGEL, 2007,
p. 412).
Na efervescência dos problemas sociais e políticos, Sila abraça a história de seu
povo com o manto da ficção. Sabemos que, na sua
diegese
, há a evidência do fato
histórico precedente e da tomada de consciência política e estética do autor sob uma
perspectiva nova, absolutamente híbrida. Na veste do personagem Daniel, o autor
reconstrói, por exemplo, a percepção que tinha da experiência como estudante negro e
estrangeiro africano que, retornado ao seu país de origem, sente-se obrigado a contribuir
da maneira mais positiva possível, mas tão logo ele se sente alijado e excluído do
processo de transformação política e social do país por não se ajustar ao pensamento da
elite burguesa local. Na veste de personagens basilares– Mbubi e Daniel–, sua
identidade, polifônica e fragmentada, irá defender sobremaneira a autoctonia dos
valores e a coragem da luta política pela transformação. Daniel, referência à saga do
herói bíblico hebreu, é parodicamente negro, sem raiz fixa, um errante afroamericano,