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verbal, [...] o autor da obra manifesta sua individualidade, sua visão do
mundo, em cada um dos elementos estilísticos do desígnio que
presidia à sua obra. [...] as obras dos antecessores, nas quais o autor se
apóia, as obras de igual tendência, as obras de tendência oposta, com
as quais o autor luta,etc (BAKHTIN, 2002, p. 298).
Em exemplos como os dos versos seguintes em que João Cabral e Arménio
Vieira refletem sobre a temática do amor, além do diálogo temático, os versos
concretizam-se quase como se o diálogo estabelecido realmente fosse real e de uma
proposição levasse a uma resposta, “compreensão ativa responsiva”:
[...]
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre. (MELO NETO, 1994, p 79).
A resposta concreta de Arménio seria:
Não há guarda-chuva, João,
contra quem não te ama
já que o amor só se dá
quando alguém, como um rio,
se alonga e entra no mar,
o qual, embora líquido e salgado,
não é teu suor nem teu sangue. (VIEIRA, 2006, p. 18).
Assim como João Cabral, Arménio é um poeta que trabalha a palavra
exaustivamente, o trabalho da pedra sendo amanhada – imagem comum ao brasileiro –,
em que nenhum elemento está solto em sua poesia. Os dois compartilham: a concepção
racional de poesia; o pensar e o repensar das palavras, do poema; o trabalho racional do
poeta, sempre consciente de seu fazer poético. Para exemplificar, observemos mais estes
versos do poema “A Carlos Drummond de Andrade”, de João Cabral de Melo Neto, em
que se opera um diálogo temático e composicional:
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa