I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 179

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enunciado do outro confere à fala um aspecto dialógico que nenhum tema constituído
puramente pelo objeto poderia conferir-lhe”.
Finalmente, a terceira forma de ocorrência (também composicional) diz
respeito ao discurso internamente dialogizado, em que há a “impossibilidade de
separação nítida” (FIORIN, 2005, p. 176) do que corresponde a cada “autor”, as vozes
misturam-se.
Entre Arménio Vieira e João Cabral de Melo Neto é possível delimitar todas
essas formas de diálogo. Este estudo pretende selecionar os dialogismos composicionais
explicitamente citados e investigar os dialogismos composicionais não explícitos e os
dialogismos temáticos, compreendendo-os. Ao início das duas obras de Arménio
selecionadas como recorte para a pesquisa (
Poemas,
de 1981, e
MITOgrafias,
de 2006),
há a menção direta a João Cabral de Melo Neto.
É inquestionável, portanto, o fato de Arménio ter lido e refletido a poesia
cabralina. Em
MITOgrafias
(2006), logo no início da obra, Arménio seleciona um
conjunto de onze poemas, ou “Dez poemas mais um”, e dedica-os a João Cabral de
Melo Neto no que podemos denominar de poema-epígrafe:
DEZ POEMAS MAIS UM
para João Cabral de Melo Neto,
pão sem miolo, apenas códea,
se é que o finado Severino
ainda pode ouvir. (VIEIRA, 2006, p. 15).
Além, é claro, da menção direta ao nome de João Cabral de Melo Neto, a partir
unicamente desses versos já seria possível delimitar uma ocorrência de dialogismo
definida acima, a segunda forma. O verso
“pão sem miolo, apenas côdea”
pertence a
um famoso poema de João Cabral de Melo Neto, “Poema(s) da Cabra”:
[...]
O negro é o duro que há no fundo
da natureza sem orvalho
que é a da cabra, esse animal
sem folhas, só raiz e talo,
que é a da cabra, esse animal
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