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Portugal, enquanto metrópole comum, foi o fator primeiro e principal a
fornecer às duas colônias esse diálogo, proporcionando transformações culturais sobre
pilares compartilhados, entre eles, aquilo que melhor concretiza o caráter comparatista
deste estudo: a língua portuguesa. Cerca de um século e meio antes de Cabo Verde, o
Brasil conquistou sua independência política em 1822; a partir de então, movimentos
que já vinham se manifestando em sentido de construção de uma literatura nacional
(como o Romantismo, por exemplo) se concretizaram, propiciando uma identidade
brasileira. A consolidação da literatura e a constituição de uma nação cabo-verdiana, ao
contrário, aconteceram anos antes da conquista da independência política em 1975, com
a publicação da revista
Claridade,
revista literária e cultural que concentrou o
movimento dos intelectuais pela formação social e construção de uma cultura dita
nacional.O Brasil teve, culturalmente, importante contribuição nesse momento:
intelectuais cabo-verdianos que buscavam desfazer-se das dominadoras relações
coloniais passaram a adotar novas referências culturais e literárias.
Em outras palavras, os “claridosos”, como são nomeados os representantes dessa
geração, adotaram como uma de suas novas referências a literatura brasileira, entre outros
fatores, por se caracterizar, o Brasil, um “itinerário histórico igualmente colonizado”
(GOMES, 2008, p. 112), portanto mais próximo da realidade, ainda colonial, de Cabo
Verde. A literatura moderna brasileira passa a ter, então, importante papel no
“desabrochar dessa nova mentalidade cabo-verdiana e, consequentemente, de
Claridade
”
(FERREIRA, 1973, p. 252-253). Manuel Ferreira ainda ressalta: “Tenhamos em conta
isto. Os livros da nação brasileira alargaram-se de mão em mão no momento em que os
jovens intelectuais cabo-verdianos descobriram a urgência de rigorosa objectividade
sócio-literária” (
Ibidem
, p. 255).
Pouco depois da publicação do primeiro número da
Claridade
, em 1936, nascia,
no ano de 1941, o cabo-verdiano Arménio Vieira. Imerso em toda essa circulação da
literatura brasileira em Cabo Verde, assim como tantos outros escritores africanos
falantes de língua portuguesa, cresceu lendo não só a literatura portuguesa e os grandes
clássicos de diversas nacionalidades, mas também a literatura produzida no Brasil. Em
seus poemas, é possível perceber elementos que dialogam “explícita ou implicitamente”
com brasileiros como Manuel Bandeira, “Carlos Drummond de Andrade, Dante Milano,
João Cabral de Melo Neto” (GOMES, 2011, p. 2). É nesse diálogo que está baseado o
estudo deste artigo que pretende perceber, desvendar e conhecer as relações literárias