I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 169

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as fronteiras entre a conquista de direitos legítimos e o mais estreito
corporativismo; em que a experiência democrática coexiste com a
aceitação ou mesmo conivência com as práticas as mais autoritárias;
em que a demanda por direitos se faz muitas vezes numa combinação
aberta ou encoberta com práticas renovadas de clientelismo e
favoritismo que repõem diferenças onde deveriam prevalecer critérios
públicos igualitários (1999, p. 141).
A citação de Vera Telles representa as verdadeiras dicotomias inseridas no
interior das leis aprovadas em busca de toda e qualquer luta em prol da liberdade e do
direito a ter direitos. Deixa-nos, também, a significativa lacuna existente entre o legal, o
permitido ou concedido, e a difícil conciliação encontrada entre os direitos sociais em
detrimento dos interesses econômicos. Nesse contexto, usando as palavras de Moura
(1988): a Abolição libertou ao mesmo tempo em que sentenciou milhares de negros ex-
escravos e libertos, pois estes foram lançados ao abandono. Para Emília Costa,
(...) os ex-cravos foram abandonados a sua própria sorte. Caberia a
eles, daí por diante, converter sua emancipação em realidade. Se a lei
lhes garantia o status jurídico de homens livres, ela não lhes fornecia
os meios para tornar sua liberdade efetiva (1982, p. 15).
Diante dessa realidade, onde a maioria dominante era representada por
fazendeiros politicamente influentes, era de se esperar que a abolição da escravatura
passasse a ser uma ameaça à elite da época, até então acostumada com os status do
negro como propriedade particular, mas acima de tudo e, de forma mais enfática, a
instabilidade maior foi direcionada a todos os negros que, de posse de sua carta de
alforria, se encontravam aprisionados na mesma sociedade escravocrata e excludente.
Nas palavras de Chaloub (1990), essa nova forma de viver em liberdade acabou por
suscitar novas reflexões sobre a abolição da escravatura e seus falsos direitos:
A liberdade pode ter representado para os escravos, em primeiro lugar,
a esperança e autonomia de movimento e de maior segurança na
constituição das relações afetivas. Não a liberdade de ir e vir de
acordo com a oferta de empregos e o valor dos salários, porém, a
possibilidade de escolher a quem servir ou escolher não servir a
ninguém (CHALHOUB, 1990, p. 80).
Diante do antagonismo que a abolição passou a representar, os surgimentos de
outros conflitos se fizeram presentes em busca de uma liberdade distante. Seria, com
certeza, uma nova caminhada de enfrentamentos e de lutas silenciosas, onde a
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