I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 166

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levam à errônea interpretação de que, no Brasil, um dos acontecimentos mais
importantes tenha sido a Abolição da Escravatura, proclamada pela Princesa Isabel no
dia 13 de maio de 1888. Podemos dizer que várias foram as bandeiras politicamente
hasteadas em nome de um ideal econômico que, ao conceder a alforria aos negros do
nosso país, em proporção mais significativa, construía novas formas de discriminação e
desumanidade entre os homens. Por isso, é importante que tenhamos em mente, as
sábias palavras do pensador e filósofo russo: “Contentar-se em compreender e explicar
uma obra a partir das condições de sua época, a partir das condições que lhe
proporcionou o período contíguo, é condenar-se a jamais penetrar as suas profundezas
de sentido” (BAKHTIN, 1992, p. 364).
Por isso, achamos pertinente a descrição de referenciais que, através de
concisos vocábulos, podem nos fornecer uma dimensão mais aprofunda do ódio que o
homem branco se achou no direito de nutrir pelo negro numa terra chamada Brasil. E,
citando Luís Koshiba e Denise Manzini (2008), podemos ir além; até onde as
instituições, inclusive a própria igreja, foram coniventes com o sofrimento e com as
infindáveis formas de torturas:
Os castigos corporais são comuns, permitidos por lei e com a
permissão da Igreja. As Ordenações Filipinas sancionam a morte e
mutilação dos negros como também o açoite. Segundo um regimento
de 1633 o castigo é realizado por etapas: depois de bem açoitado, o
senhor mandará picar o escravo com navalha ou faca que corte bem e
dar-lhe com sal, sumo de limão e urina e o meterá alguns dias na
corrente, e sendo fêmea, será açoitada à guisa de baioneta dentro de
casa com o mesmo açoite. Outros castigos também são utilizados:
retalhamento dos fundilhos com faca e cauterização das fendas com
cera quente; chicote em tripas de couro duro; a palmatória, uma argola
de madeira parecida com uma mão para golpear as mãos dos escravos;
o pelourinho, onde se dá o açoite: o escravo fica com as mãos presas
ao alto e recebe lombadas de acordo com a infração cometida
(KOSHIBA, 2008, p. 34).
A descrição do ritual acima citado nos faz refletir até que ponto o homem
branco se achava no direito de cometer tamanha atrocidade contra o seu próximo. São
perguntas sem eco que, tal como os mecanismos que legalizaram essas torturas, se
perderam em um silenciamento incapaz de retratar o verdadeiro ódio de homens contra
os seus semelhantes. Podemos afirmar que o detalhamento dos castigos acima citados
além de nos transmitir um sentimento negativo presente na relação entre seres humanos,
demonstra, também, o gosto e o prazer sórdido desenvolvido pelo ritual do massacre
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