I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 157

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Os meus sonhos são quase sempre, mais verossímeis do que a
realidade. (
V.P.
, 2007, p.58)
Há verdade, ainda que não haja verossimilhança, em tudo o que o
homem sonha. (
V.P.
, 2007, p.143)
O romance mergulha na fluidez da modernidade; criando incertezas e
inconstâncias com relação ao que fora histórica-social-cultural-politicamente
construído; fraturando as antigas convenções.
O outro fator é o último capítulo. Mais uma suspensão das certezas e nova
relativização. Após a morte da osga (por um lacrau – símbolo do mal), é o vendedor de
passados quem assume a narração. Félix relata acontecimentos que nos pareciam
impossíveis de ele saber. Como ele poderia ter conhecimento do que sentia Eulálio?
Recorrendo à sua memória, Félix Ventura inicia a escrita de seu diário. Ao final do
livro, a última frase abre caminho para que tudo seja repensado: “Eu fiz um sonho”
(
V.P.
, 2007, p.83). Mas o sonho não é um fato tão real quanto a própria realidade?
Nesta obra de Agualusa, podemos dizer que temos a visível imbricação entre a
pós-colonialidade e a pós-modernidade
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. Sempre com o cuidado de ressaltar o quão
complicado é falar em pós-modernismo em África, e aqui especificamente, em Angola;
no entanto, como bem enfatizou Laura Padilha, há “vestígios de um saber pós-
moderno” (2002, p.322), e que podemos observar quanto a fragmentação da identidade
das personagens, quanto a maleabilidade e relativização da verdade, e – agora, numa
especificação concernente ao universo literário – também quanto a própria discussão
sobre a produção literária, como vemos neste episódio no qual Félix reflete sobre o seu
trabalho, ao relembrar o que um escritor dissera em uma apresentação:
A literatura é a maneira que um verdadeiro mentiroso tem para se
fazer aceitar socialmente. (
V.P.
, 2007, p.83)
E depois Félix conclui com relação a si mesmo:
Acho que aquilo que faço é uma forma avançada de literatura. [...]
Também eu crio enredos, invento personagens, mas em vez de os
deixar presos dentro de um livro dou-lhes vida, atiro-os para a
realidade. (
V.P.
, 2007, p.83)
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O pós-modernismo pode ser visto literariamente através da“busca da diferença; [da] recuperação do
passado sem traços nostálgicos; [da] interpenetração da história pela ficção e vice-versa” (PADILHA,
2002, p.323).
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