I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 194

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consegue luz elétrica (recurso raro, pois mantido somente através de geradores de
combustão), e como mantém as atividades das escolas criadas na comunidade ao mesmo
tempo em que lida na agricultura. Tudo isso feito num espaço curto de tempo.
Além disso, o retorno de Dan ao Ministério foi tremendamente melífluo se
apurarmos o contexto político de Guiné-Bissau, por exemplo. Nesse país, a troca de
poder, se é que ocorre, vem sempre acompanhada de grandes tensões. Em outras
palavras, o leitor se depara, no final da narrativa, com uma solução utópica para a
resolução do conflito político e social do país. Através de Mbubi e Dan, Sila constrói
uma aura para abrigar os desvalidos e malsinados do país. É como que, por meio da
narrativa, Sila quisesse passar uma mensagem de esperança e virtude aos bissau-
guineenses no momento de profunda agonia. Orientado para o futuro, Sila vê um país
africano próspero, com segurança alimentar baseada em comunas e com uma
organização política motivada, através de princípios éticos e de comprometimentos
sociais sinceros. A voz de Sila é enfaticamente um apelo humanista, a verdadeira
demonstração de que indivíduos africanos podem educar a sensibilidade perdida das
novas gerações em face da aventura capitalista (em andamento) do ocidente no grande
continente.
Portanto, no final da narrativa, há uma saída utópica como forma de resolução de
problemas. Para Boaventura de Sousa Santos, o sentido de utopia pode ser duplamente
relativo:
Por um lado, chama a atenção para o que não existe enquanto
(contra)parte integrante, mesmo que silenciada, daquilo que existe, ou
seja, para aquilo que pertence a uma determinada época pelo modo
como está excluído dela. Por outro lado, a utopia é sempre
desigualmente utópica, dado que a sua forma de imaginar o novo é
parcialmente constituída por novas combinações e escalas daquilo que
existe, e que são, na verdade, quase sempre meros pormenores,
pequenos e obscuros, do que realmente existe. (SOUSA SANTOS,
2000, p. 332).
Se assim entendermos a utopia posta no romance de Sila, notaremos que, na
verdade, o recurso à utopia é também um dado da realidade, e não uma forma
alienígena, descolada da vida social que o autor contextualiza. Com isso, Sila aponta,
através da literatura, para a transformação do poder pós-colonial autoritário em
autoridade partilhada, tendo como princípio basilar uma democracia plena, voltada à
emancipação de todos os indivíduos.
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