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próprio dassociedades de tradição escrita a utilização de todo um sistema de educação e
de agentes educacionais como forma de perpetuar sua tradição e, por conseguinte:
dar continuidade à sua maneira de ver o mundo, através das gerações
mais novas da sociedade [...] É por isso que, muitas vezes, à margem
desta aprendizagem mediatizada, o indivíduo procura através de actos
criativos expressar as suas interrogações, os seus protestos, o seu
posicionamento individual, representando o mundo de uma forma
subjectiva e algumas vezes em confronto com os valores que lhe
foram transmitidos.
Ao ser pego pela professora com um bilhete que havia escrito, Zito é
mandando à sala do diretor e ali apanha em silêncio, ouvindo “as falas zangadas e
raivosas” (VIEIRA, 1976, p. 77) dos insultos da professora. Quando a professora se
retira, deixando o menino sozinho a chorar suas dores físicas e emocionais, Zito vê Zeca
na janela e descobre que o verdadeiro bilhete, escrito por ele em seu caderno de
caligrafia, fora substituído ás pressas pelo amigo, que conseguiu esboçar uma frase
qualquer acerca da aparência da professora, livrando-o, assim, de uma pena ainda mais
inclemente.
Retomando o pensamento de Rosário (1989), quando no pedaço de papel
aberto na mão de Zeca lê-se a frase: “Angola é dos angolanos”, que poderíamos
inclusive chamar de o
leimotif
desta obra, vê-se justamente a figura desse sujeito
colonial à margem de um sistema dominante que busca fazer ecoar sua voz através de
um ato criativo em forma de protesto, indo de encontro àquilo que lhe está sendo
imposto. Aqui também se corrobora aquilo que diz Frantz Fanon (2005) sobre o sujeito
colonizado ser, nos dias de hoje, uma criatura política no sentido mais global do termo.
Essa ideia toma ainda mais força quando Zito deposita na mão do amigo, em sinal de
gratidão, três balas vazias, que recolheu de um dos frequentes tiroteios que então
ocorriam em seu musseque. Da tomada de consciência sobre o imperativo de devolver
Angola ao povo angolano, vem a compreensão da necessidade de invariavelmente fazê-
lo por meio da luta armada. Nos termos de Fanon (2005), é o colonizado incorporando e
retribuindo a violência que o colonizador trouxe para suas casas e mentes.
4. Cardoso Kamukolo, Sapateiro
A última estória de que vamos nos ocupar é talvez a que se possa entrever mais
nitidamente a perspectiva utópica luandiana de uma Angola pós-independente, já que é