I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 100

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No conto “Mestre Tamoda” e no romance
Manana
ocorre um diálogo entre as vozes
da tradição, as vozes da aculturação e as vozes do poder constituído, por meio do qual se
pode vislumbrar discursos distintos que estabelecem relações discursivas conflituososas e
contraditórias que configuram a trama narrativa. Em função disso, pensa-se que se pode,
por meio da análise do discurso das principais personagens, verificar o que dizem essas
vozes e que significado as relações discursivas estabelecem. Neste sentido, as obras podem
ser analisadas, principalmente, segundo a ótica de Mikhail Baktin, para o quala linguagem é
um instrumento de interação social, visto que
a palavra penetra literalmente em todas relações entre indivíduos, nas
relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos
da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são
tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a
todas as relações sociais em todos os domínios. (BAKHTIN, 1997, p. 41)
Dessa concepção de linguagem –que percebe a palavra permeando toda e qualquer
atividade humana – Bakhtin retira o seu conceito básico de dialogismo, isto é, a relação de
sentido que ocorre entre dois enunciados, cada um deles social e ideologicamente situado.
Essa relação pode ocorrerem enunciados ditos por falantes diferentes, por meio do
chamado diálogo composicional ou dramático, ou, principalmente, em enunciados de um só
falante, configurando o chamado dialogismo interno. Isso se compreende melhor a partir da
noção da língua como um elemento vivo, mutável, em constante evolução. Para Bakhtin, a
língua só se realiza por intermédio do processo de enunciação, que compreende não só a
matéria lingüística, mas o contexto social no qual o enunciado se manifesta. Disso decorre
ser “o discurso um fenômeno social em todas as esferas de sua existência,” (BAKHTIN,
1993, p. 71) que traz para dentro de sua estrutura sintática e semântica outras vozes, outros
discursos igualmente situados social e ideologicamente e que, além disso, ao serem citados,
não perdem, de todo, sua forma e conteúdo. O discurso efetivo de alguém é, assim, o
resultado da interação entre os processos ideológicos e os fenômenos lingüísticos.
O dialogismo bakhtiniano adquire novas e mais complexas significações quando
aplicado à literatura, notadamente, na questão do discurso romanesco. Bakhtin declara que
o romance é plurilíngüe e plurivocal, porque, nele se apresentam diferentes línguas e vozes
sociais (“dialetos sociais, maneirismos de grupo, jargões profissionais, linguagens de
gêneros, fala de gerações, das idades, etc.”) (BAKHTIN, 1993, p. 74),que possibilitam ao
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