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Em
Mãe, materno mar
, as situações fundamentadas no real maravilhoso são
variadas. Desde o enterro de um passageiro do comboio até as práticas sociais diárias.
Detecta-se nessa obra o que escapa ao curso ordinário das coisas e do humano.
Assim, diariamente se via ao lado de gente a vender ou a fazer compras,
crentes de pé ou ajoelhados a escutarem as santas palavras à mistura com
pregões de ambulantes vendedores. Ih! Outros crentes se afastavam para
longe, em pequenos grupos, iam nos matos, se pintavam de vermelho,
dançavam e transeavam, imprecavam e rezavam, sacrificavam galinhas,
patos, cabritos, nunca porcos, isso nunca!, na presença veneranda de
mikuyus, ndokis, basimbis, mintadis, mikisis e de outros espíritos e
mágicas estatuetas, os secretos rituais, Ih! (CARDOSO, 2001, p. 66-7).
De acordo com Roas, o fantástico provoca no leitor uma impressão ameaçadora,
pois o inusitado, o inexplicável foge a razão. Em
Mãe, materno mar
, na primeira parte do
romance “A terra”, o pastor da igreja de Jesus Cristo Negro resolve provar aos seus fiéis
que é capaz de fazer chover. O pastor com a ajuda de um homem chega ao cemitério
perdido:
Quando que chegaram no cemitério o guia se enfiou numa cova sob o
olhar atônito do pastor. A noite era ainda cerrada e o silêncio absoluto
tornava misterioso aquele local de pazalma. Que ele depois escutou perto
o trilo de um noitibó-sardento, kiu...kiu...kiu..., e se assustou. Se abeirou
da cova para ver se via o guia, e nada. O homem dos calções não estava
aparecer. Ih!,kiu...kiu..., que ele ouviu trilar outra vez. Mam’e!
Descontrolado, o pastor se mijou e, sem fôlego, chamou pelo guia mas
não obteve resposta. E o trilo continuava a trilar. Passados alguns
momentos o homem reapareceu, todo cheio de areia, com três crânios.
Tinha os olhos vermelhos, parecia que tinha andado a fumar diamba, voz
rouca dele era a de um homem despertado dos fundos da Terra. Depois o
homem obrigou o pastor a acompanhá-lo até um riacho que passava perto
do cemitério para lavarem os crânios e pedirem aos seus antepassados
donos que a chuva chovesse.(...) O guia tossiu e os crânios estavam outra
vez a tossir. Sukuama! E os três crânios e o homem dos calções
continuaram a tossir, a tossir, tossir cada vez mais forte. O pastor perante
o facto tão extraordinário não resistiu e caiu desmaiado (CARDOSO,
2001, p. 77-8).
A experiência inexplicável vivenciada pelo personagem desfaz toda e qualquer
possibilidade de o pastor provar que o Jesus Cristo Negro faria uma grande revelação para
aquela comunidade. Uma série de fatos estranhos desconstrói o projeto do pastor. De
acordo com Todorov