I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 113

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muro rústico do cemitério, pai da noiva pisou em terreno falso e resvalou
parando dentro de uma cova! Ngafu é! Chefe da Estação tinha o corpo
todo arranhado por ter caído numa trepadeira espinhosa(...) Em pouco
tempo o cemitério ficara quase deserto. (...) Entretanto, o estranho barulho
continuava a fazer-se ouvir, enquanto o pai da noiva, dentro da cova,
esbracejava e prometia uma boa nota a quem lhe tirasse daquele buraco
(...)Ti Lucas e o rapazito não tinham fugido do cemitério. (...) o ceguinho,
impávido e sereno se agachou e com a mão direita fez no chão uma cruz,
e então a Terra se sossegou repousada (CARDOSO, 2001, p.62).
As obras aqui estudadas apresentam uma proposta literária que situa de
forma distinta as práticas do realismo maravilhoso e/ou fantástica em momentos literários
distintos, mas com uma base discursiva semelhante. Em
O reino deste mundo
depreendemos um mundo que valoriza um passado desprezado e desvalorizado pelo
discurso colonial europeu. Do ponto de vista eurocêntrico, as culturas do chamando Novo
Mundo eram primitivas. O primitivismo local funda um projeto literário que será explorado
por Jorge Luis Borges, Lezema Lima, Carpentier e outros.
A mesma visão eurocêntrica que desqualificou a América também definiu a
África como um continente sem história. A retórica moderna da missão civilizatória cristã
desde o século XVI até os nossos dias prega o desenvolvimento, a modernização e a
exploração do trabalho em busca do chamado bem-estar. A lógica da colonialidade
estabelece novas formas de controle e exploração do setor em desenvolvimento, periférico
ou semi-periférico. Cabe ressaltar, no entanto, que nessas culturas encontraram-se
escritores que inovam ao se dedicarem a revitalização de narrativas de base de tradição oral
como
Mãe, materno mar
, de Boaventura Cardoso.
O conceito cunhado por Alejo Carpentier “real maravilhoso” numa leitura
ampliada foi utilizado neste estudo para apontar um diálogo entre uma narrativa oriunda de
um Haiti colonizado em vias de tornar-se independente e uma Angola pós-independente
que vivencia os conflitos culturais estabelecidos pelo discurso da colonialidade. Em ambas
as obras, o aspecto literário e o histórico fundamentam a estética e vislumbra uma imagem
que presentifica traços locais, demonstrando a convivência do pensamento mágico,
representado pela fé absoluta no negro Mackandal, com um pensamento racional que
perpassa toda a obra, já que o processo revolucionário do Haiti estava em curso. Por outro
lado, Boaventura Cardoso usando um discurso metafórico e alegórico leva as últimas
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