I Anais do Simpósio de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - SILALP - page 108

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Inútil para trabalhos maiores, Mackandal foi destinado a guardar o gado.
(...) Mas agora Mackandal se interessava mais pelos cogumelos.
Cogumelos que cheiravam a caruncho, a redoma, a porão, a doença,
alongando orelhas, línguas de vaca, carnosidades rugosas, cobriam-se de
exsudações ou abriam seus guarda-sóis listados em vãos frios, moradas de
sapos que olhavam ou dormiam sem piscar. O mandinga desfazia a polpa
de um cogumelo entre seus dedos, alcançando-lhe o nariz um odor de
veneno. Depois, fazia uma vaca farejar sua mão. Quando o animal
afastava a cabeça com olhos assustados, respirando fundo, Mackandal
buscava mais cogumelos da mesma espécie, guardando-os em uma bolsa
de couro cru que trazia pendurada no pescoço (CARPENTIER, 2009, 23-
4).
Ti Noel, fiel seguidor de Mackandal, torna-se o portador das mensagens de
Mackandal que todos acreditavam ser um ser sobrenatural, pois se transformava, ou
melhor, metamorfoseava-se em diferentes tipos de animais:
Dotado do poder de transformar-se em animal de cascos, em ave, peixe ou
inseto, Mackandal visitava continuamente as fazendas da planície para
vigiar seus fiéis e saber se ainda confiavam em sua volta. De metamorfose
em metamorfose, o maneta estava em toda parte, tendo recuperado sua
integridade corpórea ao vestir trajes de animais. Com asas em um dia,
com guelra no outro, galopando ou rastejando, apoderara-se do curso dos
rios subterrâneos, das cavernas da costa, das copas das árvores e já sobre a
ilha inteira. Agora, seus poderes eram ilimitados. Tanto podia cobrir uma
égua quanto descansar no frescor de uma cisterna, pousar nos ramos leves
de uma acácia ou entrar pelo buraco de uma fechadura (CARPENTIER,
2009, p. 36).
Essa mobilidade insólita vivenciada pelo personagem reforça a tese de que:
O real maravilhoso se encontra a cada passo nas vidas de homens que
inscreveram datas na história do Continente e deixaram nomes ainda
lembrados: dos buscadores da Fonte da Eterna Juventude, da áurea cidade
de Manoa, até certos rebeldes da primeira hora ou certos heróis modernos
de nossas guerras de independência de tão mitológica diretriz como a
coronela Juana de Azurduy (CARPENTIER, 2009, p. 10).
O discurso real maravilhoso explica uma série de acontecimentos de
O reino deste
mundo
, como as sucessivas mortes:
O veneno se espalhava pela planície do norte, invadindo os potreiros e os
estábulos. Não se sabia como avançava entre as gramas e alfafas, como se
introduzia nos fardos de ferrugem, como chegava aos pesebres. O fato era
que as vacas, os bois, os novilhos, os cavalos, as ovelhas, morriam ás
centenas, cobrindo a comarca inteira de um interminável fedor de carniça.
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