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Ford, fazendo-nos a todos milionários – editores e editados. O Brasil é uma
coisa perrengue demais para os planos que tenho na cabeça. Esses planos
no Brasil permanecerão toda vida lêndeas: lá virarão piolhos do tamanho de
iguanodontes. O cargo assegura-me subsistência e deixa-me liberdade de
ação. Espero em dois anos dispensa-lo e ficar apenas chefe da Tupy Co.
Que sonho lindo! Que maravilha! Morar e ter negócio na maior cidade do
mundo, onde os homens se envenenam com o fedor de gasolina de 800 mil
automóveis! America, a terra de Henry Ford, o Jesus Cristo da Indústria!
Mandei-te meu livrinho em inglês,
As Henry Ford is regarded in Brazil
.
Sabes que recebi dele uma carta, lá de Dearbon.
(LOBATO, 1969, t. 2, p.
299-300).
Ao informar que está organizando sua correspondência, reconheceu que as cartas
possuem um valor histórico e não apenas sentimental, além disso, revelou um esforço
consciente de seleção e preservação das mesmas. E pelo critério que adotou – um subjetivo
interesse histórico – as cartas que recebeu de Rangel mereciam ser guardadas. Ao ler o
conjunto de missivas enviadas dos Estados Unidos e que resistiram ao tempo, percebemos
que Lobato construiu uma imagem de si contraditória e múltipla, que alterava de acordo com
o destinatário, as circunstâncias do momento e os seus interesses imediatos. Além disso, as
ideias, projetos, valores e propostas expostos nas epístolas ajudam a entender sua atuação
como adido comercial e as mudanças que a temporada do outro lado da América provocou
em sua trajetória.
Por meio do excerto citado, notamos que Lobato expôs ao amigo planos bem
definidos, que objetivavam concretizar o sempre acalentado sonho de tornar-se milionário.
Planejava lançar uma edição inglesa do livro
O choque das raças ou O presidente negro
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e
abrir editora nos Estados Unidos. Encara o cargo no serviço diplomático como temporário,
que lhe asseguraria a subsistência e o deixaria livre para dedicar-se aos negócios. Uma vez
consolidada a Tupy Publishing, pretendia deixar a função de adido. Ele apresenta visão
pessimista do Brasil, além de otimismo exagerado em relação às oportunidades e
possibilidades de enriquecer na América do Norte.
Outro dado importante dessa correspondência é a tentativa de construir uma
imagem de proximidade com a Ford, medida das suas pretensões. Lobato utiliza o pretexto
de presentear o amigo para dizer que recebeu carta do magnata, sem entrar em maiores
detalhes. Convém destacar que a admiração pelo desenvolvimento econômico dos Estados
Unidos e pelas ideias de Henry Ford era antiga. Basta lembrar que, em 1924, Lobato
traduziu para o português e editou os livros
Minha Vida e Minha Obra
e
Hoje e Amanhã
,
escritos pelo empresário e, em 1926, publicou
How Henry Ford is Regarded in Brazil
, livreto
que reúne artigos sobre o fordismo, originalmente escritos para
O Jornal.
Nos seus escritos,
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Primeiramente o livro foi lançado como folhetim no diário carioca
A Manhã
, entre 5 de setembro e 1º de outubro de 1926. Em
dezembro do mesmo ano foi publicado pela Companhia Editora Nacional com tiragem de 16 mil exemplares (AZEVEDO;
CARMARGOS; SACCHETTA, 2001).