próprio autor o descreve no seu posfácio “Quinze pontos nos iis” (LEMINSKI, 2010, p.
215). O protagonista é o narrador autodiegético Renatus Cartesius, duplo ficcional de
René Descartes, tido como fundador da filosofia moderna, completamente perdido no
horto do palácio do conde Maurício de Nassau, em Vrijburg, a Recife holandesa, e
extasiado diante da exuberância da fauna e da flora locais, sem conseguir ordenar
logicamente nem tampouco frear seu contínuo e delirante fluxo de consciência, após ter-
lhe sido ministrada determinada “erva de negros” (
idem
, p. 17) que faz com que seu
racionalismo, por assim dizer, vire fumaça. Ele espera ansiosamente por Arciszewiski,
para que lhe explique o que está se passando. Em termos genetteanos, pode-se dizer que
a diegese é tão ridiculamente simples que redunda na inexistência de um discurso
narrativo propriamente dito, o que poderia mesmo inviabilizar sua inclusão na categoria
“romance”. Podemos até mesmo, a despeito da sua extensão, aproximá-lo do poema em
prosa, na medida em que o narrador autodiegético não se distancia muito de um eu-
lírico mergulhado numa eterna pausa em que só subsiste seu fluxo de consciência
.
Assim começa o
Catatau:
“ergo sum, aliás, Ego sum Renatus Cartesius, cá perdido, aqui presente, neste labirinto
de enganos deleitáves, – vejo o mar, vejo a baía e vejo as naus. Vejo mais. Já lá vão
anos III me destaquei de Europa e a gente civil, lá morituro. Isso de ‘barbarus – non
intellegor ulli’ – dos exercícios de exílio de Ovídio é comigo. Do parque do príncipe, a
lentes de luneta, CONTEMPLO A CONSIDERAR O CAIS, O MAR, AS NUVENS,
OS ENIGMAS E OS PRODÍGIOS DE BRASÍLIA. Desde verdes anos, via de regra,
medito horizontal manhã cedo, só vindo à luz já sol meiodia” (LEMINSKI, 2010, p.
15).
O romance começa
“in medias res”
, com o protagonista já instalado em terras
brasileiras, retomando a conclusão do seu conhecido “cogito”, introduzido de chofre,
com inicial minúscula, e imediatamente se corrigindo (por meio da paronomásia
ergo/ego
) a fim de se apresentar ao leitor. E prossegue: “Estar, mister de deuses, na
atual circunstância, presença no estanque dessa Vrijburg, gaza de mapas, taba rasa de
humores, orto e zôo, oca de feras e casa de flores.” (
idem, ibidem
). Pode-se desentranhar
da caracterização desse espaço alguma conotação política, dimensão, aliás, raramente
abordada pelos comentadores do
Catatau,
mais preocupados, como aponta Paulo de
Toledo, com seus aspectos formais (TOLEDO, 2010, p. 246-253). O horto de Nassau é
uma alegoria do mundo selvagem. Se a afirmação for correta, não será menos correto