CATATAU
E
TENDER BUTTONS
Encontramos um forte ponto de contato entre o
Catatau
e os
Tender Buttons,
de
Gertrude Stein, pelo menos na leitura que Lisa RUDDICK (1990) faz da escritora
estadunidense. Como ela explica, o poema
Orange In
oculta no título a palavra
origin,
e
a expressão
“a no since”,
nesse mesmo poema, é lida como
“innocence”
(
Op. cit.
, p.
231);
“egg ear”
pode estar no lugar de
eagerly,
“avidamente”; “look a bout” (“olhar um
ataque”), no de
look about,
“olhar em volta”
(
Op. cit.
, p. 245);
“egg stir”,
no de
extra,
“o excedente (
surplus
) de pré-simbólico na linguagem” (
Op. cit.
, p. 241). Uma palavra
como
“excreate”,
que pode ser lido como
ex-create,
“desfazer”, “desmantelar a ordem
existente” (RUDDICK,
Op. cit.,
p. 231-2), mas também como uma mesclagem lexical a
partir de
create,
“criar”, e
excretion,
“excreção”, neologismo que “realiza (
performs
)
sua própria metamorfose semântica”, uma vez que “desintegra duas palavras” e reutiliza
suas “moléculas” para compor uma nova estrutura (
idem, ibidem
).
Se é possível associar a inovação linguística dos
Tender Buttons
a um
rompimento com o modelo patriarcal, representado no discurso que objetiva a
univocidade, tanto mais correto será afirmá-lo do
Catatau
, em que a própria escolha do
pai do pensamento analítico como protagonista é sintomática. Teríamos então uma
absoluta rejeição da “racionaldade-voltada-para-os-fins” (
Zweckrationalität
) de que nos
fala Bürger (2008, p. 77), não simplesmente
dita,
mas
realizada
na própria linguagem
do romance. Essa interpretação é corroborada pelo próprio poeta, que dizia que “a
palavra é tirânica, é o instrumento das leis. Onde a palavra chega, já chega botando
ordem” (LEMINSKI, 1999, p. 26). Desmantelar a palavra equivale, portanto, a
desmantelar os próprios mecanismos de dominação, já que “o único modo de fazer as
palavras perderem sua tendência nazifascista, essa mania de marchar em passo-de-
ganso, é fazê-las cantar. Ou voar. O que, no fundo, é a mesma coisa” (
idem, ibidem
). É
assim que a lógica cartesiana, instrumental e utilitarista, fica atônita diante da
exuberância tropical, e, nas palavras do próprio poeta, “o
Catatau
é o fracasso da lógica
cartesiana branca no calor, o fracasso do leitor em entendê-lo, emblema do fracasso do
projeto batavo, branco, no trópico” (LEMINSKI, 2004, p. 254).
A conclusão a que chegamos é a de que o
Catatau
não é um texto “ilegível”, ao
contrário do que o próprio poeta parece ter contribuído para fazer acreditar. O que
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