Página 355 - Anais do IV Seminário Leituras da Modernidade: entornos da poesia

como produção terreal de interesse coletivo. Diferente do que propunham a metafísica
de Platão e a lógica de Aristóteles, os efeitos de supra-senso (poesia e transcendência)
que a estória toma emprestados das narrativas comunitárias se devem a operações de
deslocamento nas categorias do discurso mimético.
Ao aproximar a estória da anedota, que compartilha recursos lúdicos de
oralidade com a poesia, Rosa estendeu o limite da mimesis da ação ao jogo. Propôs com
a estória “teoria mais inclusiva” (Costa Lima, 1995, p. 70) que a aristotélica
discriminação entre a ação e a lírica, ainda que Aristóteles evitasse condenar as
imagens, líricas, e assim divergisse de Platão que se referia a elas como decalques do
ideal. As ações (mythos) encenadas portavam o sentido das ideias e as imagens eram
diluidoras. Nas estórias de Tutaméia, os narradores intercalam comentários enigmáticos
e observações irrelevantes ao narrarem as atuações paradoxais dos protagonistas que
culminam em desfechos surpreendentes para os demais personagens, para os próprios
narradores que algumas vezes não conseguem concluir e para o leitor. Os paradoxos
evidenciam a produtividade das palavras que atuam na formação de imagens poéticas e
não apenas portam os conflitos das anedotas. Os sentidos únicos e excludentes da
racionalidade clássica e das ideologias nas sociedades de classes são rejeitados. Assim,
como a razão instrumental trai o próprio projeto civilizatório ao fornecer esquemas
abstratos para aplicação indiscriminada que reduz a diversidade ao mesmo, o paradoxo
desarma esses esquemas tornando-os conflituosos e libera espaço para o engano
favorável à diferença.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEDOTA, in HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro. Dicionário eletrônico Houaiss
da língua portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da
Língua Portuguesa S/C Ltda, Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2009, CD-ROM.
BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. São
Paulo: Iluminuras, 2002.
Costa Lima, Luiz. Vida e mimesis. São Paulo: Editora 34, 1995.