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pode-se amar, sem que esse amor sufoque, anule, a pessoa amada; como detectar a linha
tênue que separa a paixão da possessão... São questionamentos tipicamente camonianos,
quinhentistas; porém, cabem perfeitamente ao homem contemporâneo de Neruda e ao
homem pós-moderno. Eis porque a literatura é clássica, universal e humanizadora. Ao
ler “Ode a uma estrela”, como não se identificar com o sofrimento de amor e como não
estabelecer uma relação com “Amor é fogo que arde sem se ver”, soneto do português
Luís Vaz de Camões: “É um não querer mais que bem querer;/ É um andar solitário por
entre a gente; /É querer estar preso por vontade/ É servir a quem vence o vencedor,/ É
ter com quem nos mata lealdade”. Poderíamos mencionar aqui muitos outros poemas de
Camões, cuja temática se aproxima de “Ode a uma estrela”, tais como “Transforma-se o
amador na cousa amada” ou “Busque Amor novas artes, novo engenho”.
Se a metáfora é a mola propulsora do desenrolar deste poema, a estrela roubada
é marcada por um processo metonímico, isto é, de contiguidade. Do alto de um arranha-
céu, o eu lírico do poema, enlouquecido de amor, toca a abóbada noturna e se apossa da
estrela. No decorrer da leitura do texto, a estrela se faz notar, tanto a nós leitores como
aos outros seres mencionados no poema, principalmente pela emissão de um intenso
brilho. Por essa razão o elemento roubado é comparado, por exemplo, a um “trêmulo
cristal”, a “um pacote de gelo”, a “uma espada de arcanjo na cintura”, tal a sua
delicadeza incandescência. Na ilustração, o que vemos são também os raios desse
elemento roubado da abóbada celeste, e não propriamente a estrela. Ou seja, com
extrema maestria a ilustradora soube captar o tom metonímico da estrela, trabalhando,
nas belas cenas da obra, os efeitos da estrela. Ou seja, na ilustração, a referência à
estrela também se dá por uma metonímia.
Ao entrar em sua casa e guardar a estrela para que ninguém a perceba, não esta
última, mas a luz que ela emite vai do micro para o macroespaço, atravessando o
colchão, as telhas e saindo da casa pelo telhado. Os raios estelares alcançam o espaço
externo, não obstante os esforços do eu lírico em esconder a coisa amada.
Dentro dessa concepção metonímica da coisa amada, que mais sugere a sua
presença do que aparece mesmo, na sexta estrofe, por exemplo, a estrela, ou mais
precisamente a sua luz, adquire traços de personagem. Mais do que isso, personifica-se:
“palpitava como se quisesse/ retornar para a noite”. Eis uma estrela com desejos e
vontades. Nesse momento, o eu lírico detecta que ele e a coisa amada têm, no mínimo,
interesses conflitantes: “eu não podia/ dar conta de todos/ os meus deveres/ cheguei a
esquecer de pagar/ as minhas contas/ e fiquei sem pão nem mantimentos”. Igualmente,
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