4
dar conta de todos
os meus deveres
cheguei a esquecer de pagar
as minhas contas
e fiquei sem pão nem mantimentos.
Enquanto isso, na rua,
se amotinavam
transeuntes, boêmios
vendedores
atraídos sem dúvida
pelo insólito clarão
que viam sair de minha janela.
Então
recolhi
outra vez minha estrela,
com cuidado
a envolvi num lenço
e mascarado entre a multidão
passei sem ser reconhecido.
Tomei a direção oeste,
rumo ao rio Verde,
que ali sob o arvoredo
flui sereno.
Peguei a estrela da noite fria
e suavemente
lancei-a sobre as águas.
E não me surpreendeu
notar que se afastava
como um peixe insolúvel
movendo
na noite do rio
seu corpo de diamante.
2.1. A ilustração e a disposição gráfica: aspectos visuais de “Ode a uma estrela”
Já na primeira estrofe, estamos diante de um eu-lírico que se encontra
aflitivamente em um arranha-céu. A sensação que nos é passada é de alguém que mora
em uma cidade grande, com muitas pessoas, mas que se sente aprisionado pela selva de
pedra. Esse eu lírico, num ímpeto de liberdade, toca a “abóbada noturna”, ou seja, uma
bela imagem poética da própria noite, arqueada à maneira de uma abóbada. Esse sujeito,
sempre em discurso de 1ª pessoa (“pude”, “apoderei-me”), acaba roubando da noite uma
estrela, num extraordinário ato de amor. Na página da esquerda, sobre um fundo branco,
está a primeira estrofe do poema. A página direita é toda composta pela ilustração, que
chega a avançar um pouco para a esquerda. Predominam aqui as cores frias: azul em
várias tonalidades (escuro, petróleo), verde oliva, cinza, ocre, tendo a negritude da noite
como pano de fundo. A estrela, que o homem rouba da noite, é que contrasta com toda
essa escuridão: ela cintila num branco prateado e reflete sua luz no arranha-céu
espelhado. Temos a imagem de um brilho intenso que vai cortando o céu de maneira
esfumaçada. A técnica empregada é a de prensar um objeto com tinha sobre o negro da
noite. Eis a primeira cena do livro.
Em seguida, na noite negra, o homem desliza pelas ruas com a estrela roubada.
Ele a guarda em seu bolso e caminha com ela em seu bolso, como que a correr com
suavidade, sem impedimentos. Nessa segunda cena, a ilustração, além de ocupar toda a
1...,329,330,331,332,333,334,335,336,337,338 340,341,342,343,344,345,346,347,348,349,...445