sua história está mal contada,
mas seu nome, de barca e estrela,
foi: SERENA DESESPERADA”. (MEIRELES, 2001, p. 328).
Vemos nesse poema uma série de construções antitéticas. Tentar vislumbrar o
profícuo na aridez ou encontrar constância na instabilidade (“essa que às areias e gelos/
quis ensinar a primavera;”) são ações que apontam como o eu lírico deseja promover a
transfiguração. A ideia estende-se quando o sujeito mantém-se preso a elementos que
são naturalmente fluidos (“e que em algas e espuma presa/deixou sua alma
agradecida;”). Mesmo ao conceito de beleza é conferido um tom um tanto transgressor:
“essa que
sofreu
de beleza”. Com a utilização do verbo “sofreu” a voz lírica acaba por
questionar o ideário grego de que a beleza está destinada a deleitar os sentidos. Outro
aspecto que contradiz o lugar comum dos conceitos é a impossibilidade de apreensão
das características do eu lírico, ainda que haja a incidência da luz (elemento evocativo
do esclarecimento, a compreensão): em sua face iluminada,/dize: “Eu não pude
conhecê-la,”. É possível também observar a oposição entre os termos “barca” e
“estrela”: Enquanto o primeiro suscita a instabilidade, a transformação constante, o
segundo sugere a busca pela durabilidade, pela aproximação com o perene. Por sua vez,
as rimas entre os vocábulos “barca”/ “desesperada”, “estrela”/ “serena” vinculam-se
diretamente ao atributo “SERENA DESESPERADA” – um dos epítetos da poetisa. A
combinação grafada em maiúscula representa o encontro entre elementos distintos,
contraditórios, que se relacionam uns com os outros num frequente estado de tensão.
Não obstante, esses mesmos elementos não deixam de estar unificados – resultando
assim num sujeito poético não menos paradoxal.
Retornando ao primeiro poema, vemos em sua segunda estrofe o sentido do
próprio título – “viagem”, pois o eu lírico, embora desconhecendo o caminho, parece
iniciar uma trajetória: “Por onde é que eu vou?”. Nessas estrofes, notamos que a
pontuação é bem demarcada, isto é, ou são finalizadas por uma interrogação ou por
uma exclamação. Com isso, dada à expressividade inerente a esse tipo de pontuação,
podemos dizer que nessas estrofes é reforçado o tom de indagação e o tom de
perplexidade – ideias que se fazem presentes ao longo de todo o texto. Trata-se de
“uma pontuação mais psicológica ou rítmica do que lógica ou sintática”, como afirma
José Lemos Monteiro.