“VIAGEM” E “EPITÁFIO DE NAVEGADORA” – PELO TEMPO E A AÇÃO
DA INTERIORIDADE.
Márcia Eliza Pires. Doutoranda - Unesp/Assis (Capes).
RESUMO
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A preocupação com a questão temporal sempre foi uma das constantes na poesia de Cecília
Meireles. Atenta a tudo aquilo que possa revelar a essência dos seres e das coisas, é inerente a
sua lírica o tom questionador e a contemplação crítica. Refletir sobre o cronológico e
transgredir seus limites através da transfiguração da linguagem são intenções presentes em
“Viagem” – poema da obra Vaga música (1942). Esse enfrentamento da linearidade é munido
pela fomentação da memória – recurso que torna presente a experiência do passado. Há em
“Viagem” a concretização da reminiscência e a volatilidade das ações no presente: Uma
marcante transgressão da obviedade cronológica. O encontro de elementos díspares, formando
uma unidade em que prevalece a diferença entre suas identidades também é tema valorizado
pela “pastora de nuvens”. Esse é um dos fatores que contribui para que sua personalidade
poética demonstre, com freqüência, certo hermetismo.
PALAVRAS-CHAVE: Cecília Meireles, “Viagem”, “Epitáfio de navegadora”,
Vaga música
“Viagem”
No perfume dos meus dedos,
Há um gosto de sofrimento,
Como o sangue dos segredos
no gume do pensamento.
Por onde é que eu vou?
Fechei as portas sozinha.
Custaram tanto a rodar!
Se chamasse, ninguém vinha.
Para que se há de chamar?
Que caminho estranho!
Eras coisa tão sem forma,
tão sem tempo, tão sem nada...
– arco-íris do meu dilúvio! –
que nem podias ser vista
nem quase mesmo pensada.
Ninguém mais caminha?
A noite bebeu-te as cores
para pintar as estrelas.
Desde então, que é dos meus olhos?
Voaram de mim para as nuvens,
com redes para prendê-las.
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