aparente estabilidade. No total, o poema é construído por dez estrofes sendo que as
mais longas vêm intercaladas por estrofes de um único verso – produzindo uma
sonoridade e ritmos harmoniosos. Porém, no que diz respeito ao conteúdo – camada
que se encontra além da superficialidade, a harmonia é substituída por uma semântica
de extrema complexidade. A intensa antinomia instiga uma leitura exigente, pois o
leitor deve transpor a aparente sensação de caos que o texto promove para que a
profundidade das ideias não seja obscurecida. Em relação ao conteúdo é necessário
estar atento à predominância do paradoxo. Margarida Maia Gouveia em
Cecília
Meireles – Uma poética do eterno instante
, vem elucidar-nos:
Os temas surgem aos pares, como totalidades fugidias [...]. Não se
trata, pois, de simples opostos. São opostos complementares que
incorporam o espiritual no material, o eterno no contingente. [...]. As
antinomias em Cecília vêem-se num espaço de complementaridade,
criando exatamente por isso vários paradoxos. [...]. Na poesia de
Cecília Meireles, tudo tende a resolver-se no seu contrário. Ser é
deixar de ser, vive porque não vive, o que se vê, o que permanece é o
que desaparece. [...]. Estabelece uma reconversão paradoxal pela
qual os termos contrários, aparentemente imutáveis, se convertem
uns nos outros. (GOUVEIA, 2002, p. 145).
Devido a essa dualidade entre a contenção da forma e a complexidade do
conteúdo, “Viagem” dialoga ainda com o poema “Epitáfio de navegadora” – outro texto
de
Vaga música
em que o contraste entre essência e aparência é destacado:
Se te perguntarem quem era
essa que às areias e gelos
quis ensinar a primavera;
e que perdeu seus olhos pelos
mares sem deuses desta vida,
sabendo que, de assim perdê-los,
ficaria também perdida;
e que em algas e espumas presa
deixou sua alma agradecida;
essa que sofreu de beleza
e nunca desejou mais nada;
que nunca teve uma surpresa
em sua face iluminada,
dize: “Eu não pude conhecê-la,