bem interessante a exploração dos sons das palavras: vendedor de bicicleta/Tatá.
Usando de aliteração, e também de assonância, Jean-Pierre Siméon repete a mesma
consoante e a mesma vogal a fim de valorizar musicalmente o texto literário. Mas não
se trata de simples sonoridades destituídas de conteúdo.
A padeira Dona Golda, que vende baguete e
croissants
à dona Serafina, faz
poema também: “é quente como pão; a gente come e nunca termina”. Por meio da
aproximação de palavras contrárias (gorda/fina), o contraste da antítese se estabelece,
servindo, essencialmente, para dar ênfase aos conceitos envolvidos. A idéia de comer e
nunca terminar é também antagônica. Metaforicamente, a ideia é a de que a poesia não
tem fim e suas interpretações também não se esgotam.
Para o velho Mamede “um poema é quando você escuta bater o coração das
pedras” (Siméon, 2007, p.24). O velho rega as plantas do jardim todos os dias às 9h.
Essa regularidade pode fazer alusão à regularidade métrica de alguns poemas e alguns
períodos literários, como por exemplo o Parnasianismo e Simbolismo.
Aristófanes, que não tem cérebro de passarinho, diz que “poema é quando as
palavras batem asas, é uma canção na prisão” (Siméon, 2007, p.29). Para Bartolomeu
Campos Queirós (1997), a literatura é um rompimento com o cotidiano da linguagem e
isso só existe quando o texto abre espaço para a reflexão. Nas palavras do passarinho
Aristófanes, a literatura não é servil, ela só existe em liberdade, o seu compromisso é
com a revelação.
Ao indagar a vovó, Artur entra em contato com significações irreverentes: “–
Quando você veste a malha ao contrário, Arturzinho, ela parece nova. O poema vira as
palavras do avesso e, opa!, o mundo fica novo.” (Siméon, 2007, p.32) Poesia é o texto
permeado de movimento, de sentido contrário, de abertura para o outro, é o texto que
rompe o equilíbrio e faz pensar. (CECCANTINI, 2004, p.146)
A vovó sugere que Artur pergunte ao vovô que prefere escrever poesia do que
consertar a pia. Outro recurso poético é aqui vislumbrado: a rima. Além de embelezar o
poema, a rima marca o ritmo e provoca a musicalidade. Sim, para os poetas muito
melhor escrever poesia do que consertar qualquer coisa. O vovô diz, hesitante, que
poema é o “que os poetas fazem” (Siméon, 2007, p.34).
Em meio às interrogações, antes de questionar Aristófanes, Arthur volta
“voando para casa” (Siméon, 2007, p.26) e o seu peixe parece adormecido, “balançava
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