Quem te alcançará?
Dentro da noite mais densa,
navegarei sem rumores,
seguindo por onde fores
como um sonho que se pensa.
Por onde é que vou? (MEIRELES, 2001, p.339/340).
O poema segue uma lógica já adotada em textos anteriores: Ou seja, antes de o
“tu” ser mencionado, é bastante explorada a figura do eu. Assim, até que a perspectiva
se volte ao interlocutor, temos a impressão de que o enfoque será dado exclusivamente
ao emissor. O emprego do pronome possessivo destacando a primeira pessoa – “meus
dedos” – é um aspecto que evidencia essa ênfase dada ao “eu”. Na primeira estrofe, o
marcante emprego da sinestesia chama nossa atenção. O olfato é misturado ao tato, que,
por sua vez, é associado ao paladar: “No perfume dos meus dedos, /Há um gosto de
sofrimento,”. A sinestesia promove não só a mistura dos sentidos fundamentais, como
sua associação ao campo do emocional e do intelectual. São amalgamados, assim,
“dedos”, “gosto”, “sofrimento” e “pensamento”. O recurso sinestésico intensifica seu
poder de transfiguração ao apontar o encontro da percepção dos sentidos com a
evocação das emoções (“sofrimento”) e da expressão mental (“o gume do
pensamento”). Sendo cortante, atentando para aspectos de ordem variada, a habilidosa
voz ceciliana mostra-se incisiva e perturbadora (“gume”). Ela expõe os fragmentos de
um eu complexo que, simultânea e confusamente, interage com o mundo por meio do
sensorial, do emocional e do intelectual. No primeiro verso encontra-se a palavra
“perfume”, podendo ser uma referência à capacidade de encantamento da poesia:
Lembremos que “A atitude do poeta é muito semelhante a do mago.” – como esclarece
Octavio Paz em
O arco e a lira
. Por sua vez, a construção “perfume dos meus dedos” é
contrastada com a dramaticidade de “sangue dos segredos”. Essa contraposição lembra
o binômio “essência/aparência”, remetendo à ideia de que se a estrutura formal do
poema está ligada à harmonia (“perfume”), seu aspecto semântico revela um conteúdo
obscuro (“sangue”). Ainda em se tratando do aspecto estrutural, é possível observar um
determinado equilíbrio. Logo, podemos constatar que a voz ceciliana apresenta uma
forte tendência à dualidade: No que concerne à estrutura visual mostra a busca pela