Vento no Litoral
se assemelha ao ir e vir das ondas e da brisa marítima. A
sensação de calmaria – e de tristeza saudosista – se transmite por uma
teatralização vocalizada das palavras usadas pelo dia-a-dia. O descanso está na
voz, como os problemas escapam junto à brisa, que a voz, rejeitando o bruto do
rock
, representa pela suavidade.
Defronte os dois trechos cancionais, notamos que a base poética da canção
se atina na representação e na encenação das palavras no tempo da execução. À
vista disso, a voz é o suporte desse tipo de produção poética. No caso do
rock
, a
voz dissonante complementa a poesia em estado bruto; em Renato Russo, as
palavras são essenciais para a edificação da poesia, já que é ela quem lapida a
brutalidade e a ausência metafórica do
rock
. Partindo da palavra desvelada, a
poesia cancional retoma o véu metafórico no canto do intérprete, bem como na
participação ativa do ouvinte, rememorando que uma das características do
rock
é a
capacidade de fundir cantor-ouvinte, estabelecendo um ritual de comunhão da
palavra lascada.
A fuga e a libertação dos problemas sociais são constantes na canção poética
de Renato Russo; dessa forma, a recriação do espaço utópico demonstra a
esperança de um novo começo para o homem moderno:
Nosso dia vai chegar,
Teremos nossa vez.
Não é pedir demais:
Quero justiça,
Quero trabalhar em paz.
Não é muito o que lhe peço –
Eu quero trabalho honesto
Em vez de escravidão.
O grito e a dissonância instrumental encenam a convocação para uma
revolução, uma mudança de comportamento na sociedade brasileira, uma vez que,
à época de
Fábrica
, o país encerrava os duros anos da ditadura militar e os
primeiros passos rumo à democracia. Todavia, como todos os sobreviventes da
década de oitenta, é sabido que a passagem não se deu de maneira harmônica. A
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