existir desde a Antiguidade, com os primeiros seres humanos pensantes, que não
tinham sistema de escrita evoluído, mas tinham na música e na dança veículo de
criação e perpetuação da poesia. Nos dias modernos, a poesia brinca com a escrita
ou com a voz. Ela não perde com a escrita, mas ganha novas técnicas. Por outro
lado, a poesia possui a oralidade dos primitivos, a madrugada do escrito. À sombra
da escrita, a poesia oral acompanha o ser humano nas relações com a arte e com o
mundo.
Observar a liberdade da poesia frente ao material escrito nos concede a
identificação da existência da cultura poética cancional moderna, cuja metaforização
se dá na voz leitora-melodiosa da palavra matéria. No Brasil, a cultura poética
cancional decorre em músicas populares e/ou de massa, o que dificulta o estudo
crítico-acadêmico, porque inicialmente ligada, de forma errônea, com o
analfabetismo, a poesia oral parece não trazer boas fontes de criação, como
acontece com a palavra escrita, em que as mudanças e/ou evoluções do poema são
claramente perceptíveis ao tato, à visão e à audição. A poesia oral, mesmo quando
registra a palavra, não se atém a essas mudanças. As mudanças, na poesia oral,
são vagarosos, quase imperceptíveis. Os elementos são sentidos sensorialmente na
musicalidade da voz e do som. O som e o sentido fazem poesia na recepção aqui-
agora do texto. Além disso, devido ao prazer momentâneo da canção, as poesias
orais tendem a participar da cultura popular, da tradição do povo, muito diferente do
que sucede com a poesia escrita, que fica restrita aos estudantes e intelectuais do
país. Ademais, no Brasil, com a estabilização da indústria fonográfica, algumas
poesias orais se transportaram para a cultura de massa, sobrevivendo à
comercialização e ao consumo imediato do produto.
De qualquer maneira, a poesia oral resiste às intempéries sociais e sustenta a
produção, paralelamente à poesia escrita; desse modo, Alfredo Bosi salienta que a
poesia presente na música é uma maneira que a arte encontrou de existir e persistir.
Não é o ser da poesia, e sim uma forma de sobreviver na sociedade moderna e
contemporânea: “Essas formas estranhas pelas quais o poético sobrevive em um
meio hostil ou surdo, não constituem o ser da poesia, mas apenas o seu modo
historicamente possível de existir no interior do processo capitalista” (BOSI, 2008, p.
165).
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