validade das afirmações deste, logo se começa a notar que há ironias também
instauradas no discurso verbal. Assim, este se propõe à leitura como um jogo, levando o
leitor a desconfiar das afirmações e ler nas entrelinhas, nos parênteses, nas reticências:
“(trabalho só atrapalha...)”. Justamente, esses parênteses instauram a polifonia no
discurso do “eu lírico”, pois, pela ironia, representam as afirmações dos adultos
comodistas de que “trabalho atrapalha”. A paronomásia, pelo jogo sonoro, reforça essa
ideia. Pode-se concluir que esse discurso está diametralmente oposto ao da criança, pois
esta é afeita ao dinamismo, aos desafios e conquistas. Essa afirmação é ampliada pela
imagem paradoxal do unicórnio trabalhando, embora isto não esteja escrito no texto
verbal. O paradoxo avulta na representação de um ser mítico, delicado, utilizando a
força bruta para trabalhar. O livro projeta, então, um leitor implícito que discorda das
opiniões dos adultos e busca pela interpretação tirar suas próprias conclusões.
No livro, as personagens adultas, caricaturais, conduzem ao riso, levando a criança
a refletir acerca de suas atitudes, sobretudo, quando despropositadas e injustas. Assim,
por meio do humor, essas imagens conduzem à reflexão, rompem com conceitos
prévios de que os adultos sempre têm razão e ampliam os horizontes de expectativas do
leitor.
Considerações finais
Pôde-se perceber, pelo exposto, que a relação entre texto poético e imagem é
rica e surpreendente. Isso decorre do fato de que o livro ilustrado coloca lado a lado
“[...] dois tipos de linguagem que diferem entre si enquanto realizações estéticas”
(PEREIRA, 2009, p. 385). A imagem que ilustra um texto literário não visa a superá-lo,
antes adere a ele com a intenção de colaborar na sua percepção e, ao mesmo tempo,
amplificar suas vozes, “[...] dispor da degustação de seus sabores, dando mais asas à
imaginação de seus leitores e mais prazer à leitura e ao uso do livro.” (FITTIPALDI,
2008, p.105-6).
A ilustração, inclusive, pode proporcionar ao leitor uma perspectiva inesperada
do texto verbal. Em nossa sociedade contemporânea, repleta de imagens previsíveis,
faz-se necessário considerar a “alfabetização visual” da criança, por meio desse tipo de
livro, pois em seu processo de fruição instaura-se uma relação dialética, em que o leitor
percebe a ilustração, enquanto esta vê o mundo. A ilustração revela, assim, um modo
particular do ilustrador de conceber o mundo, sobretudo pelo emprego da cor
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