dirige para o leitor que vê e sabe mais que as personagens e, por isso, sente-se
valorizado na obra.
Em segundo plano, veem-se castelos; palácios; plantações; um rebanho de
ovelhas, com seu guardador sentado à sombra de uma árvore; um moinho de vento em
uma propriedade rural; e bem ao fundo, quase no ponto de fuga da direita, nota-se o
mesmo unicórnio da capa, supostamente trabalhando, pois fazendo sulcos com as patas,
“arando” um terreno para o plantio. Os olhos das ovelhas e do unicórnio arregalados
destoam da aparente tranquilidade, produzindo contraponto na imagem. Eles se dirigem
para a esquerda, conotando que estão indignados com os homens e o cachorro que
dormem, enquanto eles trabalham. Ligando dois palácios, que se localizam sobre
morros no ponto de fuga da esquerda, nota-se uma anacronia, pois aparece um
teleférico. Esse elemento, símbolo da tecnologia contemporânea, sugere uma leitura
irônica pós-moderna, levando o leitor a manter os olhos atentos para os demais detalhes
de contraponto. Além disso, produz efeito de humor crítico na obra, pelo insólito de sua
presença em cenário de contos de fadas, e por conotar o comodismo dos habitantes
desse país.
Pode-se deduzir, então, pela folha dupla, que a função da moldura de criar um
limítrofe para o olhar foi rompida. Além disso, o comportamento dos animais, os únicos
que realizam ações na cena, enquanto os humanos descansam ou dormem,
acompanhados de suas expressões de surpresa em relação às atitudes desses humanos,
instaura a ironia, pois invalida a afirmação: “Na Cocanha a sociedade / Vive em total
liberdade –” (2008, p.14). Eles atraem o olhar do leitor e o redirecionam. Assim, a
criança percorre toda cena, sendo conduzida de volta à esquerda, para fora da moldura,
a fim de que perceba o jogo dentro e fora, e note a ironia de que, na Cocanha, alguns
trabalham, enquanto outros descansam. Desse modo, a cena remete ao livro
A revolução
dos bichos
, de George Orwell (1903-1950). Justifica-se, então, que o unicórnio fuja no
final da história. Ele, certamente, não era feliz nesse espaço, nem tinha “total liberdade”.
Assim, a moldura subverte sua função, não polariza o espaço para dentro, antes
abandona a força centrípeta e convoca o olhar crítico da criança, assumindo a função de
tela que projeta esse olhar a se estender indefinidamente no universo, de forma
centrífuga. A dialogia da cena com as artes pictóricas ocorre, então, por meio da
paródia, o que justifica a subversão da relação entre figura e fundo.
Na interação entre texto e imagem, pela representação dos animais
desautorizando o discurso verbal, estabelecendo contraponto, põem-se em dúvida a