branco, em posição de descanso. Ambos dividem a mesma árvore e, de olhos fechados,
repousam em sua sombra.
No chifre do unicórnio, há um passarinho amarelo de bico aberto e olhos
arregalados, como que assustado com o fato de dois homens dormirem na copa dessa
árvore. Dessas personagens caricaturais, aparecem apenas imagens metonímicas de
partes do seu corpo. Ambas podem cair a qualquer momento e, justamente pela tensão
narrativa que instauram, são atraentes para o leitor. Para a criança, é a primeira pista de
que, talvez, a Cocanha não seja um lugar ideal para se viver. Como o passarinho é a
menor personagem da cena, a criança se identifica com ela, presta-lhe atenção.
O movimento também se instaura na imagem por uma folha que, como nos
quadrinhos, cai da árvore acompanhada de um ícone em espiral. Dessas personagens
que compõem a capa, o unicórnio e o passarinho voltam a aparecer em outras cenas e
situações, durante a leitura, permitindo o reconhecimento prazeroso para o olhar da
criança curiosa e atenta.
Entre os limeriques que levam a criança pela Cocanha, lê-se: “Na Cocanha a
sociedade / Vive em total liberdade – / Lá ninguém trabalha / (trabalho atrapalha...), / Lá
tudo é só felicidade.” (2008, p.14). Pode-se notar a rima externa no esquema AABBA.
Esse texto aparece na cena em folha dupla que representa, pela primeira vez, o país
imaginário. A moldura interna, em tons marrons, mostarda, ocre, laranja e magenta,
assume, pelas cores e textura, as características de madeira, sendo inclusive assinada
pelo ilustrador. Dessa forma, remete a uma paradoxal representação de um quadro
emoldurado. O paradoxo avulta na materialidade usada para emoldurar o absurdo e na
assinatura do lado “de fora” do quadro; na moldura. Essa opção do ilustrador revela seu
posicionamento em relação à Cocanha; “do lado de fora”, como observador que não
compactua com as atitudes dos seres humanos representados. Prevalecem, então, as
funções metalinguística e estética.
A folha dupla estabelece, em um primeiro olhar, homologia com o universo da
pintura. Há um plano conjunto em um cenário bucólico, com personagens em diferentes
situações. Nesse plano, pode-se reconhecer a cena da folha de rosto, em que dormem
homens e cachorro. A princípio, essa cena se integra ao plano conjunto, contudo
também o subverte. Essa revelação ocorre quando se busca pela continuidade da
moldura, nota-se que sua margem esquerda e a lateral também esquerda estão
escondidas pela cena que as encobre, como se saltasse para fora do quadro, assumindo
um primeiro plano. Dessa forma, a cena cria dois momentos e espaços cênicos para o
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