Zélia Lopes da Silva (Org.)
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Cooperativa?
— V.R.C.S.
: Não, não. A minha irmã, quando nós saímos do asilo ela foi morar com uma
mulher e ela ficou morando com a dona da Friassis. E ela ficou morando com ela até
casar-se. Daí, ela entrou na Prefeitura e até hoje ela está na Prefeitura. O meu caso já foi
diferente. Eu comecei a conhecer vários caminhos da vida. Aminha irmã nunca foi trabalhar
como boia-fria e eu já fui. Entendeu? Então, eu já conheci o lado mais sofrido da vida. E ela
já conheceu um ambiente assim de gente mais civilizado do que eu fui, entendeu? Não que
eu falar que as pessoas que eu convivia não eram civilizadas, era, mas do jeito do mundo
deles lá de boia-fria. E a minha irmã já começou junto com professores, com advogados.
Então, a vida dela é completamente diferente que eu. Tanto é que o modo dela ser já é
diferente do meu. Entendeu?
Entrevistadoras:
Sua irmã estudou também?
— V.R.C.S.
: A minha irmã estudou, mas só que ela não terminou. Ela fez vários cursos
porque ela trabalha na costura industrial. Ela é professora de artesanato; ela dá aula de
artesanato. Mas só que eu quis estudar. Minha proposta na época que eu queria estudar
era para ajudar os meus companheiros aqui da Cooperativa. Eu não fiz uma faculdade
para dar aula para as crianças lá fora. Tanto é, se for para dar uma aula eu acho que eu
não vou querer, porque aqui tem necessidade, eu vejo. Teve um tempo que teve o círculo
de cultura aqui que eu ajudava a dar aula aqui. Naquela época, eu estava começando a
faculdade. Gente, o que foi de gente que alfabetizou junto com nós, foi lindo viu. O senhor
de idade chegou e falou assim: “Olha, eu estou escrevendo o meu nome, eu nunca pensei
que ia fazer isso”. Ele tinha 62 anos. Então, aquilo é uma alegria tão grande que você nem
imagina.
Entrevistadoras:
O supletivo você concluiu quando já estava trabalhando aqui?
— V.R.C.S.
: Não, não.
Entrevistadoras:
Foi bem antes?
— V.R.C.S.
: Foi bem antes.
Entrevistadoras:
Ah! Depois, a faculdade foi feita para ajudar aqui dentro.
— V.R.C.S.
: Aqui dentro e por quê? Quem me incentivou a fazer essa faculdade foi a
própria Cooperativa.
Entrevistadoras:
E como foi essa experiência da faculdade? Como você foi recebida lá,
pelas pessoas?
— V.R.C.S.
: Nossa, foi barra, hein?! Foi barra! Porque é assim, dentro da faculdade você
não é excluída, mas você também não é bem-vinda, entendeu? Só do fato de você ter
o nome de catadora já é um peso para quem está sentado num banco de universidade.
Entendeu? Eu estudava à noite, com gente muito mais nova do que eu, entendeu? Então,
tudo que você falava ali não era levado em consideração. Lá, eu perguntava as coisas para
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