Memória dos Catadores de Materiais Recicláveis de Assis (2001-2007)
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Capítulo 2 – Narrativas masculinas (por eles mesmos)
A narrativa masculina apresenta-se mais restrita, muito embora a intenção inicial
fosse mais abrangente, considerando-se que o critério definido para os depoimentos era
captar os relatos daqueles que integravam a diretoria da Cooperativa e, também, homens
dedicados à coleta seletiva. O esforço empreendido ao longo de 2011, para ampliar os
relatos, foi significativo. Porém, a falta de tempo desses cooperados limitou bastante
as entrevistas, uma vez que ela era feita no horário de seu descanso, o que reduziu a
possibilidade de alargar os registros de outros narradores integrantes da Cooperativa.
Porém, tal situação não se constitui em prejuízo total para análise do assunto e para o livro
em si.
Ao ouvir os relatos desses sujeitos, embora altere o gênero, isso não traz diferenças
marcantes no perfil do universo do grupo, exceto algumas peculiaridades de gênero no
tocante à família, notadamente nas questões dos rompimentos das relações afetivas
que são recorrentes e repetem-se de geração a geração e a sobrecarga disso para as
mulheres. Essas modificações nas características dessas famílias apresentam-se fora dos
padrões convencionais, com as constantes ausências dos pais no cotidiano de seus filhos
e, também, das responsabilidades em sua manutenção.
Os casamentos, normalmente informais, são frequentes no histórico da família.
Ocorrem nas relações de seus pais e, também, prevalece no ordenamento da própria vida
do entrevistado, com uniões pouco duradouras, mas também aquelas que já duram 12
anos; mas a cada novo relacionamento, esses homens têm outros filhos com as novas
parceiras. Por isso, em alguns casos, os filhos são provenientes de casamentos distintos.
Essa heterogeneidade familiar não significa conceito aberto de relacionamento,
mas dificuldades de manutenção dos parceiros em virtude de vários fatores que nem esses
protagonistas conseguem e ou não querem explicitar a origem dos rompimentos. Porém,
as pesquisas historiográficas para outros momentos da experiência brasileira indicam
situações semelhantes; os autores interpretam que tal conformação decorre de valores
específicos dos segmentos populares, que estão além dos preceitos religiosos e jurídicos
e que foram construídos com base na realidade cotidiana desses sujeitos. Os empregos
provisórios e a vulnerabilidade para sua manutenção marcam a vida de muitos desses
trabalhadores que recorreram a biscates diversos para garantir alguns trocados para pagar
aluguel e comida, percurso que levou à condição de catadores autônomos de recicláveis
e, sua posterior integração à Cooperativa de materiais recicláveis. Essa nova experiência
de inserção nas relações de trabalho na modalidade de economia solidária redefiniu o seu
status
e o transformou em trabalhador reconhecido pela sociedade.
Entre os três homens entrevistados, em 2011, dois deles ocupam cargos na diretoria
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