144
patriarcais
10
. Para Thompson, esse ritual não é o mesmo de tempos longínquos, mas
algo repensado de acordo com o contexto. No caso do século XVIII, os camponeses
ingleses sofrem um choque com a imposição de novos valores. Portanto, a análise
dessas práticas culturais não chegará a uma definição fechada, pois esses rituais são
muito distintos de região para região, mesmo nas ilhas britânicas. No entanto, em
todos os lugares, o rough music tem características em comum como: o barulho
estridente, o riso desapiedado e mímicas obscenas, um barulho que fazia parte de
uma expressão ritualizada de hostilidade (THOMPSON, 1998, p. 354).
No contexto do século XVIII, Thompson comprova a existência de uma
autonomia da plebe em relação à classe e as normas dominantes. A rough music
funcionava como elemento que dava voz e auto-regulava conflitos dentro da
comunidade, um elemento que canalizava e controlava uma hostilidade maior com
indivíduos impopulares. Os indivíduos que quebravam normas básicas da comunidade
(maridos que batiam nas mulheres, traição, megeras) eram punidos de acordo com um
consenso da comunidade (THOMPSON, 1998, p. 365-368).
A rough music não se restringia a um julgamento à vizinhança; as autoridades
que se chocavam com as tradições locais também sofriam o ritual. Esse ritual
mostrava-se como um forte aparelho de subversão, deixando explícitos os conflitos
existentes entre as camadas da elite (oficiais) que queriam impor novas normas e as
camadas populares que com suas próprias leis e rituais resistiam a sua maneira
(THOMPSON, 1998, p. 387).
Thompson relata que antigas formas dessa tradição são adaptadas para novos
fins e logo, a rough music se acomoda as transformações da Inglaterra industrial, e
novas infrações, como os “fura-greves”, começam a ser punidas, não apenas com a
função de humilhação, mas para servir de exemplo. Para o autor, os indivíduos:
Empregavam o vocabulário herdado seletivamente, por razões
próprias. A importância da
rough music
para o historiador talvez não
esteja em nenhuma função isolada ou grupo de funções, mas no fato
de que os episódios são – se for possível conhecer por dentro os
motivos dos atores – um indicador muito sensível das notações
variáveis das normas sexuais ou dos papéis conjugais. Evidencia
igualmente as maneiras pelas quais até a relação mais privada ou
“pessoal” é condicionada pelas normas e papéis impostos pela
sociedade em que o casal atua, briga ou ama (THOMPSON, 1998, p.
382).
10
Rough music é o termo que tem sido comumente usado na Inglaterra, desde o fim do século
XVII, para denotar uma cacofonia rude, com ou sem ritual mais elaborado, empregada em
geral para dirigir zombarias ou hostilidades contra indivíduos que desrespeitam certas normas
da comunidade. THOMPSON, E. P. Rough Music. In:
Costumes em Comum. Estudos sobre
a Cultura Popular Tradicional
. Trad. RosauraEichemberg. São Paulo: Companhia das Letras,
1998; p. 353-397.