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discussão no campo historiográfico. Assim, será possível traçar o aporte teórico que
encaminhará a análise das fontes no estudo sobre as transformações nos rituais e
formas simbólicas da Folia de Reis da Companhia de Reis Fernandes (Olímpia – SP),
festejo que se inscreve no acirrado debate desse campo de reflexão e se constitui
objeto de pesquisa de nossa dissertação de mestrado
4
.
Os debates sobre “
cultura popular”
no exterior e no Brasil (de certa forma
recente para a historiografia, não são tão novos para os folcloristas e cientistas
sociais) foram intensos na década de 1950
5
. Paralelo às discussões dos folcloristas,
no Brasil, os cientistas sociais nas décadas de 1950 e 1960, os historiadores na
década de 1990 e seguintes passam a debater o assunto e tomam como referência,
as reflexões primeiramente dos franceses, com Roger Bastide e, depois, dos ingleses
da “New Left” que inovam a leitura do marxismo no campo da cultura.
Entre os ingleses, o campo é aberto por Raymond Williams em suas reflexões
publicadas no final dos anos 1950 assunto que se ampliará com as contribuições de
Eric Hobsbawm e E. P. Thompson que demarcam o debate e definem o campo da
“historia social da cultura”.
4
A dissertação abordará a Folia de Reis desenvolvida pela Companhia de Reis Fernandes, da
cidade de Olímpia-SP, fundada por Celso Fernandes, que há cerca de 50 anos ininterruptos
participa das festividades devotas aos Santos Reis. A ênfase da investigação se dá entre os
anos de 1964-1994, que marca o início das atividades desse grupo até o período que se
consolida o deslocamento da peregrinação da Folia de Reis do espaço rural para o urbano e as
transformações ocorridas nessas manifestações que podem ser distintas das práticas
recorrentes. O objetivo da pesquisa é compreender as permanências e transformações
ocorridas nas práticas e representações culturais, em decorrência das mudanças sociais e
econômicas durante a transição no espaço da festa, para assim, analisar os efeitos dessas (re)
significações nos sentidos do festejo para o grupo abordado, perpassando pelas relações entre
o grupo e os foliões.
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Em 1965 o folclorista Edison Carneiro tece uma discussão a partir da leitura de diversos
especialistas (folcloristas, sociólogos, psicólogos) sobre o folclore. Para o autor, o fato folclórico
está vinculado apenas às manifestações (maneira de sentir, pensar e agir) do povo, avessas à
cultura de elite, apontando que existe na cultura um antagonismo social (CARNEIRO, 1965, p.
12-15). Nessa leitura, o folclore é uma projeção do passado para o presente e o futuro. O fato
folclórico se individualiza ao ser incorporado na cultura local, correndo o risco da presença de
elementos eruditos que prejudicam a espontaneidade das manifestações. As mudanças em
partes da tradição modificam o todo, portanto o folclore é dinâmico, está em constante
transformação e só há manutenção da tradição quando elementos genuinamente populares
permanecem (CARNEIRO, 1965, p. 12-15). Sobre o termo “
cultura popular”
o folclorista Renato
Almeida define que estaria ligada às classes inferiores, econômica, social e intelectualmente,
de qualquer sociedade civilizada (ALMEIDA, 1974, p. 28). Se a manifestação cultural é criada
nas classes superiores só passa a ser considerada folclore se esta for incorporada e utilizada
apenas pelo povo. O autor também discute o termo “
tradição
”, o qual não seria um elemento
fundamental ao folclore, ao contrário dos que pensam que ele apenas emerge do que é antigo,
pois, o folclore está em permanente invenção, uma incessante transformação de valores e
improvisação do povo. Assim, a tradição pode resultar tanto de um passado milenar, quanto de
fato contemporâneo. O importante é a aceitação coletiva (ALMEIDA, 1974, p. 37-38).