A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 146

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motivos, os objetos ou as práticas culturais em termos imediatamente
sociológicos e que sua distribuição e seus usos numa dada
sociedade não se organizam necessariamente segundo divisões
sociais prévias, identificadas a partir de diferenças de estado e de
fortuna. Donde as novas perspectivas abertas para pensar outros
modos de articulação entre as obras ou as práticas e o mundo social,
sensíveis ao mesmo tempo à pluralidade das clivagens que
atravessam uma sociedade e à diversidade dos empregos de
materiais ou de códigos partilhados (CHARTIER, 1991, p. 177).
Chartier argumenta que as inúmeras definições de cultura popular podem ser
definidas em dois grandes modelos de descrição e interpretação. O primeiro busca
“abolir toda forma de etnocentrismo cultural, concebe a cultura popular como um
sistema simbólico coerente e autônomo, que funciona segundo uma lógica
absolutamente alheia e irredutível à da cultura letrada” (CHARTIER, 1995, p. 179). O
segundo preocupa-se em lembrar a existência das relações de dominação que fundam
o mundo social, “percebe a cultura popular em suas dependências e carências em
relação à cultura dos dominantes” (CHARTIER, 1995, p. 179). Sendo assim, de um
lado temos uma cultura popular como um mundo à parte, independente, e de outro,
uma cultura completamente dependente da legitimidade cultural da elite, da qual é
afastada. Para ele, essas duas maneiras de compreender a cultura popular, podem
ser percebidas em uma mesma obra ou autor (CHARTIER, 1995, p. 179-180).
Para Chartier, é uma operação inútil tentar identificar a cultura popular a partir
de objetos ou modelos culturais. Mesmo mais complexos do que parece é preciso
entender como se dá sua apropriação pelos grupos ou indivíduos. O trabalho do
historiador não deve caracterizar conjuntos culturais como populares, mas as
qualidades diferenciadas pelas quais são apropriados. Em toda sociedade, as formas
de apropriação dos textos, dos códigos, dos modelos compartilhados são tão ou mais
geradoras de distinção que as práticas próprias de cada grupo social (CHARTIER,
1995, p. 181-184). Chartier alerta seus pares para:
Prestar, assim, atenção às condições e aos processos que muito
concretamente são portadores das operações de produção de
sentido, significa reconhecer, em oposição à antiga história
intelectual, que nem as ideias nem as interpretações são
desencarnadas, e que, contrariamente ao que colocam os
pensamentos universalizantes, as categorias dadas como invariantes,
sejam elas fenomenológicas ou filosóficas, devem ser pensadas em
função da descontinuidade das trajetórias históricas (CHARTIER,
1995, p. 184).
Segundo Roger Chartier as formas "populares" da cultura, podem ser
pensadas como táticas produtoras de sentido, embora de um sentido possivelmente
diferente àquele visado pelos produtores. O autor cita como exemplo, produtos
culturais que são produzidos para a elite, que, após algum tempo, devido modificações
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