A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 141

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pessoas comuns e pudessem ser utilizados em movimentos reais
(CEVASCO, 2003, p. 62).
Sendo assim, fica evidente que para Williams a cultura nada mais é que uma
frente de batalhas capaz de expor as contradições de classes, mas também superá-
las. Essas iniciativas resultaram na criação da “New Left” inglesa, grupo marxista,
contrário ao marxismo ortodoxo stalinista, que aproximava as questões culturais da
economia. “Seus objetivos eram contribuir de forma criativa para a teoria marxista e
buscar ligação de seus trabalhos de historiadores com a prática política” (CEVASCO,
2003, p. 82).
Ainda na Inglaterra, no final da década de 70 Peter Burke em vasta pesquisa
realizada sobre a cultura popular dos inícios da Idade Moderna, por exemplo, sugere
que a cultura – vista como um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e
as formas simbólicas – é dividida em classes subalternas (artesãos e camponeses) e
classes altas (elite). O autor indica que a preocupação em delimitar essa cultura
popular data do final do século XVIII; antes disso, a elite participava da pequena
tradição, mas o povo comum não participava da grande tradição (BURKE, 1995, p. 55)
6
.
Segundo Burke, as duas tradições culturais existentes nos inícios da Idade
Moderna não correspondiam simetricamente aos dois principais grupos sociais, a elite
e o povo. A grande tradição era fechada, restrita a liceus e universidades; já a
pequena tradição, transmitida informalmente era aberta a todos, como na igreja ou na
taverna. O autor acredita que, mesmo havendo uma dicotomia da cultura, tanto na
pequena, quanto na grande tradição existem subculturas, relacionadas aos diferentes
grupos (BURKE, 1995, p. 55).
Burke afirma a existência de uma divisão cultural, mas para ele, essas culturas
se relacionam, sendo necessário para um estudo aprofundado estar atento para sua
interação, pois a fronteira entre as várias culturas do povo e as culturas das elites é
tênue; por isso ele afirma que a atenção do historiador deve concentrar-se na
interação e não na divisão rígida entre elas. Porém, Burke, ao admitir a existência de
uma subcultura no âmbito da cultura mais ampla, demarca outra via de análise e
reforça a existência do conceito de
“cultura popular”
, independente de sua
aproximação posterior com o grupo dos Annales
7
.
Vale ressaltar que o debate no Brasil sobre esse tema alinha-se às
interpretações historiográficas internacionais. Na década de 50, por exemplo, o
6
Essa obra foi publicada pela primeira vez na Inglaterra em 1978.
7
É evidente na obra de Peter Burke, que o autor não analisa a cultura a partir dos mesmos
fundamentos da “New Left” inglesa, mesmo antes de sua filiação junto aos Annales.
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