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duas características do cinema o distinguem de outras produções culturais: trata-se de uma
criação que representa as ideias e a visão de mundo de um grupo específico
,
cuja difusão
ocorre em grande escala (SORLIN apud SOULET, 2009, p. 183).
Peter Burke (2004, p. 175-196) também faz observações quanto ao uso de filmes
como documento histórico. Ele salienta a capacidade (e o perigo) de proporcionar ao
espectador a sensação de
testemunhar
os fatos, o que ele afirma ser uma ilusão. Afinal, a
experiência cinematográfica é construída pelo diretor, pelo roteirista, entre outros técnicos,
que escolheram contar uma história, de maneira artística, sobre um acontecimento,
reiterando, assim, as considerações de Pierre Sorlin. Não se trata, tão somente, de contar
uma história, mas de contá-la com um
sentido, abordagem, estética e linguagem
definidas.
Carregada de significados, portanto.
Também interessado na produção cinematográfica como objeto de análise histórica,
Rémy Pithon (apud SOULET, 2009, p. 201-202) distingue três tipos de abordagens, aqui
descritas brevemente. A primeira privilegia o
estudo “objetivo”
de filmes, particularmente
documentários e filmes de propaganda. A segunda possui um viés
semiológico,
a terceira,
por sua vez, tem como objetivo ir além do conteúdo explícito, busca alcançar seus
sistemas
de representação
sobre os problemas e as preocupações de uma época. Os pesquisadores
desta linha buscam, em geral, elementos para compreender um fato histórico, ou ainda, um
regime político
. É neste contexto que se insere a análise do filme sobre o asilo-colônia
Aimorés. Num primeiro nível de estudo, observa-se a sua finalidade: divulgar o local como
um dos mecanismos de erradicação da lepra. No entanto, considerando o contexto e as
circunstâncias de sua produção, existem outros elementos a serem observados.
No Brasil, Sheila Schvarzman discute o panorama da produção historiográfica sobre
este tipo de documento, propondo “dois movimentos”, com base no “
tournant critique des
Annales
para a Nova História e sua abertura para novos objetos e abordagens”
(SCHVARZMAN, 2005, não paginado)
.
O primeiro contempla a busca pela sistematização
da metodologia histórica, novas formas de abordagem, e novos objetos de pesquisa. O
segundo, por sua vez, volta-se para a constituição de uma história do cinema, com suas
ambiguidades, particularidades e características. Estes movimentos e debates apontam
diferentes possibilidades de pesquisa: o cinema como objeto de estudo, a própria produção
fílmica como modo de expressão sobre o mundo, sua estética, sua tecnologia, seus fatores
econômicos e sociais, entre outros aspectos. Nos estudos sobre cinema de Schvarzman
(2005), nota-se uma aproximação com as ideias de Sorlin, pois também considera a
produção fílmica nacional, sobretudo durante o Estado Novo, como ferramenta ideológica
dos ideais de valorização da nação e do trabalho, a partir da conjuntura do país naquele
período, abordados a seguir.