Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 26

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fuga; para nós, a afirmação final. Depois da independência política, a
literária. (SANTIAGO, 1965, p. 57-58).
Juntamente com a reação política, a reação filológica. Uma das características mais
marcantes dos romances indianistas de Alencar é o manejo peculiar da língua portuguesa e
a utilização de modismos brasileiros ou palavras indígenas. É inegável que Alencar
possuísse conhecimentos de tupi-guarani, bem como a importância que o escritor dava a
tais línguas. Essa ênfase pode ser comprovada pelas notas de rodapé presentes nos seus
romances indianistas, que ilustram a preocupação do autor em realizar um retrato verossímil
dos costumes indígenas e brasileiros. Demonstra, também, a importância estética que a
língua indígena possuía para Alencar.
Alencar possui consciência-estética do processo que desenvolve. Ele manipula
conscientemente duas línguas que possuem uma estrutura diferente: a indígena, língua
aglutinante, isto é, os vários afixos trazem significado quando se juntam ao formarem
palavras; e a portuguesa, língua flexiva, na qual os afixos são meros condutores de
conceitos.
Se, por um lado, o índio e sua cultura possuem um papel determinante na prosa
alencariana, são interessantes algumas observações a respeito de
Iracema
, romance
publicado pela primeira vez em 1865. De caráter extremamente alegórico, o próprio subtítulo
da obra –
Lenda do Ceará
– é revelador: o livro apresenta uma estrutura muito mais
simplificada se o compararmos com o primeiro romance indianista de Alencar,
O Guarani
,
publicado em 1857.
[...] o filho de Iracema e Martim será “o primeiro cearense”, e o próprio nome
de Iracema [...] mal disfarça um anagrama de América. Iracema era assim a
alegoria do mundo virgem conquistado, fecundado e, de certa maneira,
também destruído pela civilização, já que deste contato só sobrevivem o
europeu, imutável ao longo do romance, e o seu filho, símbolo da nova raça,
mas não Iracema/América, virgem que acolhera ao primeiro e gerara o
segundo. Esta fora de fato aniquilada, e o que se via ao fim da história era
já um mundo novo que, apesar de sua origem e natureza próprias, pertencia
definitivamente à civilização. (CANO, 2001, p. 190-191).
Iracema
finaliza, então, com a supremacia da “civilização” sobre a “barbárie”, que
possuía como destino inevitável a extinção; o único vestígio seria Moacir, filho do
sofrimento, fruto do desencontrado. Enfim, Alencar conclui: “A jandaia cantava ainda no ôlho
do coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sôbre a terra”
(ALENCAR, s/d, p. 80).
É explícita, portanto, a tensão que envolveu a construção da nacionalidade brasileira.
Como assinala Wilma Peres Costa,
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