Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 19

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A memória coletiva, portanto, não se relaciona apenas com a realidade objetiva, mas
também com as representações coletivas de determinado grupo.
Segundo Le Goff (1990), a memória, propriedade de conservar determinadas
informações, remete em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas. Assim, seu
estudo abarca áreas como a psicofisiologia, a neurofisiologia e a biologia. Certos aspectos
do estudo da memória nessas ciências podem evocar problemas relacionados à memória
histórica e à memória social. Podem se estabelecer diálogos, portanto, entre o estudo da
memória na sua esfera psicológica e na sua esfera das ciências humanas e sociais.
Interessante pensar essas relações também por meio da amnésia, que pode relacionar-se à
“[...] falta ou a perda, voluntária ou involuntária, da memória coletiva nos povos e nas
nações” (LE GOFF, 1990, p. 425).
[...] os psicanalistas e os psicólogos insistiram, quer a propósito da
recordação, quer a propósito do esquecimento [...], nas manipulações
conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a
inibição, a censura exercem sobre a memória individual. Do mesmo modo, a
memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças
sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é
uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos
que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e
os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de
manipulação da memória coletiva. (LE GOFF, 1990, p. 426).
Le Goff realiza uma diferenciação entre as sociedades de memória essencialmente
oral e as sociedades de memória essencialmente escrita, ressaltando também as fases de
transição da oralidade à escrita. Segundo o autor, o aparecimento da escrita relaciona-se a
uma profunda transformação da memória coletiva. Primeiramente, a memória transforma-se
por meio da comemoração, da celebração por meio de um monumento comemorativo ou um
acontecimento memorável – assumindo a forma de inscrição. Por outro lado, a memória
transforma-se, por meio do documento escrito, em um suporte especialmente destinado à
escrita. A escrita, no entanto, convive com a memória oral, e não é “[...] pura coincidência o
fato de a escrita anotar o que não se fabrica nem se vive cotidianamente, mas sim o que
constitui a ossatura duma sociedade urbanizada” (LE GOFF, 1990, p. 433). Essa
transformação da memória relaciona-se a um aspecto da organização de um poder novo.
Assim, é valendo-se da escrita que Le Goff localiza a instituição do
mnemon
e o
desenvolvimento das mnemotécnicas. Extrapolando essas reflexões, Pierre Nora (1981)
afirma a obsessão pela memória ser característica de uma sociedade na qual ela não existe
mais, de uma sociedade marcada pela aceleração da história.
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